50 coisas melhores para eu fazer (não sei você)
eu preferia até mesmo estar arrumando o gaveteiro de comprovantes de pagamento
pois é, faz tempo pra caramba, né. eu sei.
mas nos últimos dias eu tive uma conversa despretensiosa e significativa por whatsapp com um amigo (durante a qual ele me mandou um vídeo espantando gaivotas??), e sonhei com um tsunami, e tá calor demais, e de repente me peguei pensando como a minha vida seria melhor se eu tivesse aulas de latim com a fal e fosse frequentemente a umas giras ou missas ou quaisquer outros tipos de rituais com a roberta, e por tudo isso e nada disso achei que, ah, era bom escrever, vai.
aí escrevi.
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50 coisas melhores para eu fazer (não sei você)
fumigar praletrina na soleira da garagem, no ralo do terraço e nos trilhos da porta da sala (que não aguento mais ter meu jantar interrompido pela entrada marota de uma barata de envergadura usualmente considerável, ocorrência especialmente comum nas noites em que o ricardo não está em casa);
podar a samabaia;
trocar a suculenta de vaso;
arrancar os matos do canteiro do fundo (mas não o pé de tomate, brotado inintencionalmente; para este eu olho todos os dias com esperanças de que me dê o que os italianos chamam e não à toa de fruto d’ouro);
olhar a pasta de atividades que o domenico trouxe para casa hoje depois da reunião de encerramento da emei;
ouvir “despedida” do roberto carlos (de novo), que tocou na reunião de encerramrnto da emei, e chorar mais um pouco, lembrando que essa também foi a música-tema da festa de encerramento do MEU último ano na MINHA emei em sbc, em 1984;
arrumar as gavetas do guarda-roupa do dom e lembrar que ele está crescendo, exatamente o desejo que ele registrou em um papelzinho no 1º dia de aula na emei dele, papelzinho este que a professora devolveu na reunião de encerramento;
organizar as roupas que não servem mais no dom e no milo em sacolas de doação;
preencher o inventário e a ficha de saúde da nova escola do dom, que agora vai pro ensino fundamental;
arrumar o armário da lavanderia de maneira que eu encontre onde enfiei a praletrina destinada à pulverização na garagem, terraço e etc;
arrumar o armário de brinquedos dos meninos e separar os brinquedos que eles não usam mais;
pintar o quarto deles antes que o paulo venha montar o beliche que compramos na black friday (o que com a graça de deus deve acontecer no sábado)*;
continuar assistindo downton abbey (não sei quantos episódios depois da morte do matthew eu parei);
continuar revendo desperate housewives (comecei esta semana e ainda temo o terrível EFEITO HERCULÓIDES**);
me lembrar de como minha vida era diferente da primeira vez em que assisti desperate housewives;
me lembrar de como O MUNDO era diferente da primeira vez em que assisti desperate housewives (cada temporada tem 20 e cacetada de episódios?!);
limpar e organizando o baú da minha cama;
organizar as fotografias do celular (tem 16 mil nesse momento);
entender porque é tão difícil para mim apagar fotos dos meus filhos;
marcar exames de sangue para mim;
marcar exames de sangue para o dom;
ficar aliviada de não ter que marcar exames de sangue pro milo (principalmente pensando que para sentar na cadeira do dentista já é um sacrifício, imagina tirar sangue);
comprar uma árvore de natal;
planejar o natal, o que é sempre uma operação delicada de diplomacia e criatividade pois é preciso acomodar as crianças, os cachorros, as sogras que não gostam ou não podem ir aqui ou ali etc;
comprar uma sapatilha de pilates nova;
arrumar meu guarda-roupa e ao mesmo tempo lidar com o impulso premente de tacar fogo em todas as minhas roupas;
permanecer nua por uma semana ou mais, porque também não tenho vontade de comprar roupas novas, ou não encontro nada que me dê vontade de comprar;
aprender a tricotar, o que poderia ser particularmente útil nessa semana ou mais;
terminar de ler “baviera tropical” porque, porra, muito ruim pegar no sono toda noite pensando no mengele;
começar a ler alguma coisa, qualquer coisa, repetida ou em outra língua, da lucia berlin;
sentir ao mesmo tempo vontade e desânimo de escrever depois de ler lucia berlin;
organizar o arquivo de comprovantes de contas pagas (aqui realmente deu para ver que eu preferia estar fazendo virtualmente qualquer outra coisa, né);
esperar o disco voador;
receber uma notícia inesperada;
aprender a furar a parede com furadeira;
furar efetivamente a parede com furadeira e pendurar quadros;
comprar vidros para as molduras de fotos e pôsteres que quebraram;
comprar aqueles pratinhos com correntes para pendurar as samambaias;
fazer a unha;
fazer a unha do pé;
fazer massagem;
dobrar a sessão de massagem quando o massagista estiver acabando (isso é possível?);
fazer a torta de chocolate que a ceretti me ensinou quando a gente estava na 8ª série e que fiz em invariavelmente todas as férias de verão desde então;
fazer rolinhos vietnamitas;
chamar alguém querido e bom de conversa para comer rolinhos vietnamitas, torta de chocolate, tomar cerveja e ouvir música;
estruturar um romance;
andar sob o túnel de árvores da pracinha aqui perto de casa;
trocar os móveis da sala de lugar;
escutar meus discos na vitrola;
ouvir a chuva vindo.
*o paulo avisou na sexta que vinha na segunda à tarde apenas. começou a montar o beliche, mas não terminou. deve vir na quarta para acabar. mas pelo menos o quarto já estava, sim, pintado.
**o “efeito herculoides”*** ocorre quando, ao rever uma série ou filme ou desenho animado ou qualquer outro produto audiovisual depois de um longo tempo, ele passa da sua lista de favoritos e de uma memória estimada para UMA DAS PIORES COISAS QUE VOCÊ JÁ VIU NA VIDA, e toda a onda de choque, horror e reflexão que essa transformação que parece tão repentina acarreta.
***dei esse nome porque “herculoides” era simplesmente meu desenho favorito numa fase da infância, contendo, na minha memória, as parcelas ideais de drama, aventura e romance, e quando voltei a vê-lo já adulta MEU DEUS DO CÉU PQ?!?!?!
em outra vida
em novembro de 2004 desperate housewives estreou no brasil. a série só terminaria em 2012, quando o cenário de consumo de seriados já tinha começado a mudar – a netflix já estava no brasil desde 2011.
desperate housewives era exibida pela sony, um canal de tv por assinatura especializado em série. naquela época (me vejo pegando o relógio de bolso, checando as horas, dando um suspiro e uma pausa dramática; limpando o pince-nez agora, e prosseguindo), a gente tinha que esperar UM MÊS da estreia nos estados unidos para ver as séries, e passavam UM EPISÓDIO POR SEMANA (o que ok, até voltou a ser praticado por alguns serviços de streaming com suas séries originais, mas segura essa:) EM ALGUNS HORÁRIOS DETERMINADOS.
isso mesmo. você não só esperava TODO episódio de TODA série, como também tinha que ORGANIZAR SUA VIDA em torno dos horários em que ele era exibido.
e você tinha que fazer isso por mais ou menos metade das suas semanas no ano, porque era NORMAL ter 25 – isso mesmo, VINTE E CINCO – EPISÓDIOS por temporada.
era assim que eu o douglas, meu primeiro marido, assistíamos desperate housewives na sala da casa que tínhamos financiado, em sbc, e para onde tínhamos nos mudado depois de casarmos, um ano antes.
a sala tinha um sofá com chaise longue, piso cerâmico e uma parede texturizada (eu fico olhando para isso e me perguntando “como foi que aconteceu…?”). era nesse sofá que a gente sentava toda quinta à noite para esperar o episódio da semana.
a gente curtia muito assistir desperate housewives. acho que é uma das coisas que eu mais me lembro de fazermos juntos depois de casados.
me lembro de uma quinta-feira em que a luz acabou bem na hora do episódio.
me lembro de escrever sobre a série no garotas que dizem ni, meu blog à época.
me lembro de achar a lynette e a gabrielle meio caricatas, a susan meio irritante com tanta pagação de mico e a bree levemente maluca, e de pensar “coitado do marido dela”.
agora estou revendo a série e claramente o rex era um bosta.
eu me lembrava muito da cena do burrito: depois que o rex diz para a bree que quer se separar, eles começam a ir a um terapeuta de casais; quando o rex diz que acha a bree ausente durante o sexo, ela decide ir até o hotel em que ele está morando usando nada mais que uma lingerie sexy e um casaco de pele; ele fica todo animado e começa a beijá-la, largando um burrito na beira da mesa de cabeceira; o queijo derretido do burrito começa a escorrer e vai pingar no carpete – e talvez nas roupas deles, que ficaram pelo chão; a bree não consegue se concentrar e PRECISA tirar o burrito de lá e impedir a sujeira; ele percebe, fala para ela deixar para lá; é mais forte que ela; ela acaba arrumando o burrito; ele fica puto e manda ela embora do quarto.
na minha memória, a cena acabava aí, e era uma clara demonstração de quanto a personagem era perturbada – que mulher interrompe a transa para arrumar um burrito, peloamordedeus?
mas dessa vez, além de muito mais contexto sobre como a personagem se sentia subestimada, que tinha passado batido pelos meus jovens olhos de 26 anos, notei que antes de sair do quarto a bree diz pro rex uma frase da qual eu absolutamente não me lembrava, ou na época achei desimportante:
– obviamente, você nunca tirou mancha de queijo de uma roupa.
*
mandei um whatsapp pro douglas perguntando por que mesmo que a gente tinha parado de assistir desperate housewives e a resposta dele foi essa:
re-respondi com esse emoji: 😳. e depois passei a discorrer sobre como era diferente ver séries naquela época, né?, tinha horário marcado e 20 e tantos episódios por temporada, olha que loucura???
(mas ainda não descartei a possibilidade de a gente ter parado de assistir desperate housewives juntos muito antes disso, por perda de interesse – na série ou um no outro).
vai saber. as coisas que perdemos pelo caminho, né? motivos, memórias. um o outro.
*
toda vez que eu penso nessa época, casada e morando em sbc, me parece simplesmente uma outra vida.
engraçado como sbc foi o lugar em que eu passei mais tempo na minha vida até agora –vivi lá até os 29 e desde então só passei 16 anos em sp – e eu não tenho vergonha nenhuma dessa história, muito menos da cidade. pelo contrário, tenho orgulho.
só não quero morar lá nunca mais.
iniciação
o dom está dando adeus para os dentes de leite. dois deles caíram em casa; dois, na emei. a professora cola o dentinho na agenda com fita crepe, e semana passada ele saiu da sala de aula sem o quarto dentinho de leite na boca e com uma lombada na brochura da agenda.
eu falei “e aí, que maneiro, a fada do dente vai vir hoje, hein?”
e ele olhou para mim sério e tranquilo: “quem é a fada do dente?”
eu sorri disfarçando um engasgo. perguntei – temos um trato de sinceridade – se ele queria saber a verdade verdadeira MESMO.
ele confirmou e eu disse que a fada eram as mamães e os papais das crianças.
daí DO NADA ele emendou: “e o papai noel?”
pensei “kct hein moleque”, mas só pensei. expliquei que também era a gente, mães e pais.
ele: “e o coelho da páscoa?”
pensei “esse inferno não vai acabar”, mas ao mesmo tempo senti que não fazia mais diferença, o que é um peido para quem já está cagado, não é mesmo?, e segui explicando.
ele ouviu tudo quieto e atento. perguntou para quem eu tinha mandado, então, a cartinha que ele escreveu para o papai noel. achei curioso que ele não supusesse jamais que eu NÃO mandei a cartinha, mas sim ficasse encafifado com PARA QUAL ENDEREÇO eu mandei a cartinha, já que não existia papai noel. um fim da inocência, mas ainda inocente.
respondi que eu tinha mandado a carta para mim mesma (de fato, ela está na minha bolsa e tem uma razão pela qual pretendo guardá-la para o resto da vida: foi a primeira produção de texto espontânea dele escrita por ele mesmo).
ao fim, pude ler uma expressão de desapontamento passando pelo rosto dele. perguntei se tinha ficado um pouco desapontado de saber.
ele disse que sim.
aí expliquei que, agora que sabia quem era o papai noel de verdade, ele ganhava o direito de ser um papai noel também, que a gente podia ir pegar uma cartinha nos correios e mandar um presente para uma criança que não tinha quem fosse papai noel para ela.
e que agora que ele COMPARTILHAVA DESSE SEGREDO DOS ADULTOS, não podia contar para ninguém – nem para os colegas, muito menos para o milo, porque esse é um segredo que cada criança tem que descobrir sozinha.
ofereci cumplicidade e ele topou. o desapontamento passou. agora ele já revelou bem orgulhoso, para a avó e para o pai, que estava viajando quando tudo aconteceu, que ele é um iniciado.
*
no dia seguinte, durante a reunião de encerramento da turma, no mesmo lugar onde a gente teve a conversa da fada do dente, do papai noel e etc, uma das professoras do dom devolveu para ele um pedacinho de papel em que, no primeiro dia de aula do ano, ele fora convidado a registrar o que esperava daquele ano na escola.
o papelzinho tinha isso:
e o desejo dele, de fato, aconteceu.
ai, que lindeza o dom, amiga! <3
e, que desespero pensar que também preciso organizar as fotos do celular... claro que fui olhar as minhas quando li você falando das suas.
Eu chorei quando vi a história de como o Dom foi iniciado no clube secreto dos adultos... Espero ter a sua sensibilidade e coragem quando o Leo me questionar.