chupa essa manga
como em meio a uma alegria sincera e gratuita eu vi que estava na hora de chegar a um acordo com o meu passado (mas só daquela vez).
muito boas noites.
uff. que dia, né?
o jeito realmente vai ser fixar um tuíte com “ah pronto mas só faltava acontecer isso mesmo”, porque esse é o espírito desses anos vingt.
para desopilar, hoje temos uma jornada pelas minhas memórias daquela que é o leite condensado das frutas, a manga; uma perguntinha besta que me atormenta há anos e um flashback original de como eu me sentia quando o dom tinha… três meses (o que me parece que aconteceu em meados do século passado).
no fim, acho que foi por isso que eu fiz a tudo acontece muito: para sentir que eu (ainda) estou conversando com meus amigos, como se a pandemia e a maternidade não tivessem me acontecido (e meio que juntas).
se você gostou dessa newsletter, considere mandá-la para alguém que também odeia manga. ou que também adora manga, sei lá. ou para qualquer outra pessoa de quem você se lembrou ao lê-la.
ou, ainda, clique no botão aí em cima e assine, caso ainda não seja um fiel recebedor das minhas aperiódicas (embora semanais) conversas.
cuide dos seus amigos e pense nos seus.
e até a semana que vem!
OUTRAS PIRAS & MEU PASSADO
dröma
meus amigos me mandam mensagens muito boas logo de manhã (como aquela da roberta que contei aqui na semana passada, ou a do iran que veio antes do meio-dia). essa semana recebi uma da paula que me levou a uma longa reflexão sobre eu e a manga.
a primeira coisa que achei curiosíssima nesse sonho da paula foi que eu também odeio manga. ou acho que odeio. explico.
quando eu era pequena, meu pai trabalhava em uma firma e jogava bola no grêmio. filhos de pais que trabalharam na indústria devem saber. sempre tinha um grêmio, e o pai sempre jogava bola. meu pai, no caso, era um craque. e de vez em quando, nos finais de semana, surgiam churrascos em chácaras com o pessoal da firma, com futebol acoplado ao programa.
eu acho que foi em um desses que sentei debaixo de uma mangueira carregadinha, algum adulto (talvez minha mãe) veio com uma faquinha e eu comi manga, com o perdão do meu francês, até o cu fazer bico. lógico que passei a noite vomitando mais tarde. manga para caralho, no caso. e depois disso eu não podia mais nem sentir o cheiro de manga que já me dava gatilho.
então pronto, eu não gostava mais de manga.
*
muitos anos depois daquilo, quando meu pai estava na faculdade – ou seja, eu devia ter ali por uns 10 ou 11 anos –, uma amiga dele veio fazer um trabalho em casa. e tinha umas mangas na fruteira.
ela, aparentemente, tinha o mesmo problema que eu. e me pediu para arrumar um saquinho plástico para ISOLAR as mangas do ambiente.
geralmente eu gostava dessa amiga dele, mas naquele dia ela me tratou esquisito. não sei explicar e não tenho absolutamente prova alguma, mas ela falou aquilo como se fosse minha mãe. e eu não gostei do tom.
então, para mim, foi muito confortável NÃO ACHAR SEQUER 01 (UMA) UNIDADE DE SAQUINHO PLÁSTICO NA CASA INTEIRA.
parece zueira, mas não é. eu não achei mesmo. só acredito nessa minha memória por duas razões: quando criança, eu procurava as coisas que nem meu cu (a essa altura já desbicado da overdose de manga) AND desde que eu passei a ter minha própria casa percebi que, de fato, tem época que os saquinhos acabam (e isso é um problemão). então é seguro dizer que, por uma razão ou por outra, eu realmente não achei nenhum saquinho.
e a alice teve que ficar lá cheirando manga enquanto dava em cima do meu pai.
*
em 5 de fevereiro de 2017 eu estava prestes a completar 29 semanas de gestação. sei com essa exatidão porque o dom nasceu a partir de uma fiv, sigla de fertilização in vitro que serve de apelido para o procedimento entre mulheres que querem engravidar e médicos que trabalham na área.
esse foi o dia do último ensaio aberto do tarado ni você antes do cortejo do carnaval, e o tarado ni você tinha virado um vício na minha vida desde que o iran tinha me levado pro desfile uns anos antes (uns anos depois, em um show do bloco na frente do municipal, concluí entristecida que eles eram fortes concorrentes para virarem o primeiro bloco de sp a cobrar abadá. ainda espero estar errada).
eu não ia perder esse show por nada, então depois de almoçar com a minha sogra (o ricardo tava viajando a trabalho) e para certo desgosto dela, me mandei acompanhada apenas de chinelos e de barriga lá para o buraco da paulista.
eu estava em lua de mel com o tarado – para falar a verdade, a despeito dessas incômodas reservas que começaram a brotar no meu coração nos últimos dois anos, ainda sou apaixonada pelo cortejo e pela vibe criada na combinação das músicas do caetano com o centro velho da cidade. então eu estava ali, fazendo uma das minhas coisas preferidas, uma alegria sincera e de graça, dançando de havaianas e barrigão, sozinha mas junto da pequena multidão que se juntou na pista, quando de repente a banda começou a distribuir mangas (o tema do cortejo em 2017 era tropifagia e rolava um lance com “chupa essa manga”).
então um dos meninos da banda veio até mim com uma manga em ofertório nas mãos, o que me fez lembrar daquela comunidade no orkut “por favor, aceite essa manga”, cuja descrição era “não existe, nem existirá prova maior de camaradagem e boa-vontade política”, e aí eu ACEITEI A MANGA, como eu poderia negar (tamanha prova de camaradagem e boa-vontade etc)?, e não satisfeita em aceitar eu QUIS GOSTAR daquela manga, e para minha surpresa eu fiz a única coisa que poderia ser feita – comi a manga, rasgando a casca com os dentes – e aconteceu a única coisa que poderia acontecer porque assim é a minha vida: eu GOSTEI da manga.
mas foi só daquela, e agora passou.
PIRAS DEMAIS
perguntinha
vocês acham que dá para ter overdose de água? respondam aqui.
(pensando em criar uma seçãozinha aqui para fazer essas perguntas & outros dilemas que me atormentam há um tempão).
FLASHBACK
apenas começando
— publicado originalmente em 14 de julho de 2017. fiquei surpresa ao encontrar e reler esse texto. me lembro dessas sensações, mas elas ficaram como que soterradas pela avalanche de dias desde então; tudo acontece muito na maternidade, embora para a maioria das pessoas pareça que não está acontecendo nada.
faz quase três meses que sou mãe e é difícil dizer.
me parece uma aventura feita de luminosidade, ternura que também é dolorida e devastação – devastação de tudo que você possa imaginar, desde coisas em que você acreditava e hábitos que você tinha até de expectativas de mudanças com as quais você contava e não aconteceram.
ao mesmo tempo, faz quase três meses que o bebê é gente. digo, gente vivendo no mundo aqui fora. engraçado, mas aquele bebezinho que eu trouxe para casa já se foi. cresceram cílios, quilos e o interesse do domenico no mundo que ele habita. não é mais o mesmo bebê – mas ainda é o domenico, está começando a ser.
eu como era antes também não existo mais. tornar-se mãe é irreversível. nesse aspecto específico, queimei uma ponte: agora, se eu me sentir muito cansada, sozinha ou exasperada por ter um filho, NÃO ter mais o filho não é a solução. é um problema muito pior, é o pesadelo mais abominável que podia me acontecer.
não tem volta.
*
nesse meio tempo, sonhei duas vezes que meu documento de identidade se molhava e desmanchava (dava pra ser mais sutil não, inconsciente?) e quatro vezes que o domenico falava comigo.
em três delas eu nem me espantava que um bebê de menos de três meses conversava NORMALMENTE, sem tatibitate, como um adulto.
na única vez em que me espantei, eu perguntava “mas, filho, você já fala?” e ele respondia, com jeito de “ué, o que você esperava, mulher?”: “claro, eu fico aqui vendo vocês falarem o dia inteiro!”.
depois disso, nos sonhos conversamos normalmente. em um deles, inclusive, ele me consolava falando a mesma coisa que repito baixinho quando ele chora por uma coisinha boba, como trocar ou sair do banho: “pronto, pronto, passou”.
*
falando em choro, posso atestar que aprender a trocar fraldas é a parte mais inútil dos cursos de maternidade.
em primeiro lugar, porque você treina numa boneca – que, apesar de não ter ligação consanguínea alguma com você, tem muito mais consideração e faz a gentileza de NÃO SE MEXER DURANTE O PROCESSO. em segundo lugar, porque é uma piada de tão fácil; claro que nem sempre você acerta perfeitamente, mas o que de pior pode acontecer nesse caso? merda no macacãozinho? xixi na sua calça? isso não é nada; é até bom, pra ir se acostumando.
muito melhor seria ensinarem a lidar com o choro do bebê. com calma, mas sem ser fria nem se sentir culpada. a fralda eu já troco de boa, mas acertar o coração e a cabeça com o berreiro ainda está em construção.
*
nos primeiros quarenta dias de vida do domenico, o ricardo estava de licença-paternidade e trocava as fraldas, enquanto eu era a responsável pela alimentação. em outras palavras, ele administrava a saída e eu, a entrada.
pouco antes de ele voltar ao trabalho, comecei a fazer as trocas também, para já ir treinando. como eu era praticamente uma novata, tomava sempre o cuidado extra de tirar, além da calça ou da parte debaixo do macacãozinho, as meias do bebê; vai que a perninha dele me escapa da mão e ACIDENTALMENTE CARIMBA O CALCANHAR NA MERDA, REPRODUZINDO EM SEGUIDA UMA ESTAMPA DE COCÔ POR TODO O FORRO DO TROCADOR ENQUANTO EU TENTO DESESPERADAMENTE CONTROLAR AQUELA CONFUSÃO? eu podia ver facilmente esse tipo de bosta (dsclp) acontecendo comigo.
um dia o ricardo apareceu na porta do quarto enquanto eu trocava o nenê e perguntou porque kct eu tava fazendo aquilo. expliquei minha fantasia de horror com as meias na mão e ele riu da minha cara, falando qualquer coisa do tipo “haha imagina, que exagero, isso NUNCA vai acontecer”.
poucos dias depois, ele me chama no quarto do bebê com uma cara de consternação e me mostra uma meia com um belíssimo carimbo de merda.
a prática leva à pretensão.
*
quando você se acostuma com o bebê, lidando com ele o dia todo, é muito engraçado como sua escala muda. agora acho minha mão enorme, meu pé monstruoso, minha pele brutal e a cabeça do ricardo parece um moai da ilha de páscoa.
tudo porque meu parâmetro de toque, tamanho e maciez passou a ser o de uma criaturinha muito fresca, muito pequena, que não tem nem cem dias de vida.
é aí que eu me lembro que ele – e nós – estamos apenas começando.
chupa essa manga
hahahahahaha!
"por favor, aceite essa manga"!
que saudade do orkut!
e de contar os sonhos pessoalmente. ❤
"a alice teve que ficar lá cheirando manga enquanto dava em cima do meu pai."
fala se não é um ótimo microconto.