olá, senhoras e senhores.
ano novo, velhos atrasos. o dia de publicação dessa newsletter tá parecendo aquele meme do horário de funcionamento.
só posso agradecer por vocês ainda estarem aí, e criar vergonha e parar de prometer pontualidade – mas também preciso reconhecer que essa newsletter saiu toda semana desde que começou, incluindo as de natal e ano novo, e isso me deixa feliz.
hoje temos uma história de vômito e horror no meio da noite; a reação do meu filho a um relato repetido mil vezes sobre o que aí sim eu chamaria de um inseto monstruoso; uma enquete para vocês – isso mesmo, VOCÊS! – decidirem as próximas histórias desta newsletter (todas reais) e a filhadaputice absoluta do samuel beckett.
feliz 2022.
VIDA FUTURA
futurologia
eu não sei como consegui guardar os enfeites de natal naquele dia de reis.
a gente tinha virado o ano na chácara do meu sogro, só nós e as crianças e ele e a namorada, que é o máximo, uma pessoa que naqueles dias mesmo eu passei a ver como uma espécie de modelo desejável do envelhecer, e o troço todo foi tão cansativo, apesar da imensa hospitalidade deles, que voltamos dia 1º com meio coração saudoso e meio aliviado por estarmos às beiras do retorno à rotina e à nossa rede de apoio aqui em casa.
mas a metade aliviada tinha se aliviado cedo demais: minha mãe me mandou uma mensagem dizendo que estava com uma crise de labirintite havia alguns dias, apesar do recesso passado em seu tão sonhado retiro na casinha nova lá no meio do mato, construída durante os últimos meses e que haveria de se tornar seu endereço em breve.
e isso era só o começo. antes mesmo que eu pudesse falar com a minha chefia e pedir mais alguns dias para poder cuidar das crianças até minha mãe voltar, eu emergi de um cochilo do bebê no fim da tarde sentindo alguma inquietação interior – não de alma, de tripas mesmo. tomei um sal de frutas e fui cozinhar o jantar das crianças, mas antes que o garfo encontrasse os legumes no ponto certo fui interrompida pelo tipo de chamado mais urgente da natureza.
não tem nenhuma maneira literária de colocar isso, então vou ser bem explícita: eu não sabia qual das pontas do meu tubo gástrico eu apontava para a privada, porque as duas estavam FORA DE CONTROLE.
por sorte minha sogra estava aqui, então ela podia dar uma mão para o ricardo com o jantar das crianças e o banho do bebê enquanto eu me esvaía em líquidos no banheiro. me recompus minimamente e consegui colocar o domenico para dormir. no meio da historinha, ele sentou na cama parecendo engasgado. quando percebi o que estava por vir, só consegui chegar até a porta do banheiro – nada suficiente para evitar que ele vomitasse pelo quarto todo. ele não tinha ideia do que estava acontecendo, a última vez que ele tinha vomitado era pequeno demais para lembrar.
enquanto eu acolhia, acalmava e limpava a criança, tentando soar como se soubesse tudo o que fazer a seguir, na verdade eu não tinha a menor ideia de como íamos sobreviver à noite.
naquela noite, o domenico vomitou outras três vezes. uma só foi dentro do balde colocado ao lado da cama; as outras foram em si mesmo (deitado na cama, o que me fez pensar putaquepariu essa criança vai morrer que nem o jimi hendrix) e por toda a cama (porém pelo menos sentado).
em cada uma delas eu me perguntava porque 2022 estava começando assim, e entre elas não conseguia dormir pensando o que fazer se o bebê começasse a vomitar também. ah, sim. e eu também continuava correndo para o banheiro sem saber que lado apontar para a privada, madrugada adentro.
claro que o bebê vomitou também. claro que a madrugada foi insone e de terror, sem saber o que estava acontecendo com a gente e como eu poderia garantir que todo mundo chegasse ao raiar do dia sem ter morrido engasgado com o próprio vômito.
*
no dia seguinte acordamos todos vivos, apesar de parecer que não. ricardo também ficou mal. como cuidar de uma casa com dois pequenos doentes quando os grandes parece que foram atropelados por um caminhão?
minha mãe não podia vir ao resgate. minha sogra já começava a apresentar sintomas também. minha irmã veio salvar a lavoura e ajudou a cuidar dos dois enquanto eu mergulhava em um sono desconfortável e profundo, sem nada no estômago. quando acordei, vomitei mais uma vez. e na sequência, com a sopinha da rê, me senti alguém novamente.
*
à noite, o vizinho tocou o interfone para dizer que tinha imagens suspeitas de um carro observando nossa casa, captadas pela câmera de segurança da casa dele. nos vídeos, vejo um carro passando enquanto, na calçada de casa, a maria fecha o portão e empurra o carrinho com o bebê. agora viramos estrelas do grupo de zap da vizinhança solidária do bairro. que ótimo.
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a maria caiu doente no terceiro dia, junto com a minha irmã, que já estava na casa dela, isolada. a lu, que tinha vindo limpar a nossa casa na segunda-feira, também adoeceu e não pôde vir no seu segundo dia semanal. as minhas reuniões com possíveis definições profissionais para aquele ano, os meus planos de arrumar os armários e os emails, adiantar a matrícula da criança na escola, abrir as renitentes últimas caixas da mudança e levar finalmente aquela sacola de roupas para o conserto, esses planinhos de bobos a necessários que parece que são a chave que abre a fechadura da porta do ano novo, todos eles foram levados por aquela virose.
*
como em alguns anos eu sei que esses dias vão ganhar a dimensão minúscula que merecem, e estes problemas que parecem enormes – o atraso na matrícula, as caixas não abertas, as roupas descosturadas, as reuniões adiadas, a cozinha desarrumada – vão ser simplesmente esquecidos, gosto de fazer esse exercício de futurologia. é um jeito de me adiantar o conforto que a perspectiva do tempo confere.
*
ps: claro que eu NÃO consegui guardar os enfeites de natal no dia de reis. na verdade, enquanto escrevo essa newsletter, eles ainda estão lá.
MATERNIDADE E OUTRAS PIRAS
mais rápido, mais alto, mais forte
“e teve aquela vez em que você era bebê e o papai tinha viajado e estávamos só eu e você no apartamento, e você tava dormindo e eu tava assistindo uma tevezinha de adulto na sala quando de repente………… EU VI UMA BARATA ENOOOOOORME bem em cima da caixa onde ficavam seus brinquedos!”
“enorme quanto?”
“desse tamanho” (abro os braços em toda a envergadura deles, uns 1,60m)
“eu acho que você está exagerando”.
eu nem sabia que o domenico sabia o que era ‘exagerar’. e depois dessa sempre que eu vou mostrar o tamanho de alguma coisa ele fala “mas você tá exagerando, igual na história da barata, ou é de verdade mesmo?”
(e o curioso é que eu contei exatamente essa história na redação, no dia seguinte ao ocorrido, adicionada do comentário de que a barata era tão grande que devia ter subornado o porteiro, entrado pela portaria e subido pelo elevador, pois não era possível ter passado pelos buracos da rede de proteção das janelas, e a cara que o pessoal fez foi essa aqui:
).
ME AJUDA AQUI
ah, conta outra
volta e meia eu fico pensando naquela vez em que um ladrão entrou na minha casa, com um machado (?!) e um cachecol cobrindo a cara, e minha mãe falou “dener, tira essa máscara ridícula” pro cara.
ou naquela vez em que eu e o ricardo fomos parar em um clube de campo nudista na alemanha (não me pergunte).
ou naquela vez em que eu confundi a demi moore com ela mesma.
bom, eu sempre conto essas histórias (e também algumas outras censuradas por responsabilidade jurídica), então uma vez mais não faz mal. diz aqui qual delas você quer ver na próxima edição dessa newsletter 👇.
AS PALAVRAS DOS OUTROS
samuel beckett, que grande filho da puta né.
“Ainda pior outra vez. Até fartar de vez. Vomitar de vez. Partir de vez. Onde nem um nem outro de vez. De vez e tudo”.
— pioravante marche (worstward ho), tradução de miguel esteves cardoso.
e se te sobrou tempo, aqui estão as edições anteriores:
retrospectiva de alguns anos da minha vida
“desquitada e morando de favor”