hashtags que eu sou contra
às vezes, só o que a gente pode fazer é amarrar uma faixa na própria cabeça para lembrar que também estamos loucos
senhoras, senhores.
eu tenho demorado tanto a escrever não sei porquê (mentira, sei sim, mas não quero falar disso). o que a gente não fala, vocês sabem, é quase sempre o que mais entrega.
mas posso dizer que no geral não tenho tido vontade. não, não posso não. vontade eu tenho, mas me falta o desejo de sentar na frente da tela em branco, talvez. eu tenho vontade de contar as histórias, de fazer com que elas sejam contadas, mas não de escrever.
parece um pouco minha impressão geral sobre acordar: eu odeio acordar, mas adoro estar acordada. é como uma arrebentação que você tem que passar, mas tenho passado em silêncio.
perdão pelo vacilo (mas, parafraseando jorge mautner, “eu não peço desculpas”).
subscrevo-me antes que eu acabe me enrolando mais.
com amor, continue vindo:
AINDA SOU EU
pequenas historietas que construíram uma mansão na minha cabeça
na verdade, juntas elas formam um pequeno condomínio de coisas aleatórias que eu nunca esqueci. aqui estão duas delas.
I.
pouco depois que eu saí do ig, uma das editoras deu uma festa de arromba para o pessoal do trabalho. não lembro a ocasião e acho que foi pouco depois que eu saí, porque não consigo pensar em outra razão para eu não estar lá.
me disseram que a casa da bia era superlegal, que tava todo mundo da empresa e que tinha bebida boa (e outros aditivos) rolando soltos, o pessoal bem à vontade e uns snacks aqui e ali. e que tinha um broder, que tinha acabado de entrar se não me engano na área comercial da firma, curtindo adoidado.
rolou de um tudo na festa – apagões, pegação, narcolepsia.
mas o que eu nunca esqueci (sobre uma festa a que eu nem sequer fui) foi dos meus amigos, me contando depois, que ouviram o brodinho falando maravilhado com um parça, ao celular, sobre como tinha sido a festa:
“… e tinha bebida, drogas, mulheres a fim de tudo e GUACAMOLE À VONTADE!!!”
até hoje eu fico, primeiro, rindo demais da expressão “mulheres a fim de tudo”, que parece saída da chamada de um filme porno soft exibido na band no fim dos anos 70'; e, segundo, completamente mesmerizada pelo fato de abacate amassado com sal e tomate ser mais impressionante, de alguma forma, que todos os itens prévios na lista.
II.
o quinho é um daqueles amigos assim: eu chego com uma informação corriqueira, ou ele com uma pergunta aparentemente inofensiva, tipo “o que você achou do podcast X?”; eu respondo “ah, não ouvi inteiro, mas eu acho podcast de entrevista geralmente mais ou menos, porque a galera é meio amadora e, ao mesmo tempo em que isso é o grande trunfo deles, me irrita um pouco porque fica muita pergunta quicando e eles não chutam”, e aí logo depois ele me conta alguma história da torá ou um conceito do judaísmo que constrói mais uma mansãozinha no meu condomínio. assim, DO NADA.
quer dizer, PARECE do nada. mas sempre tem tudo a ver.
uma vez ele me contou uma historinha mais ou menos assim: “era uma vez um reino onde eles estocavam grãos para passar o inverno. um ano, quando a estação tava batendo na porta, os homens do rei descobriram uma coisa terrível: os grãos tinham mofado. um fungo alucinógeno tomou conta de tudo e não havia tempo para mais nada. não tinha excedente para comprar de outro reino. não tinha outro tipo de comida. a população ia morrer de fome ou ficar louca.
desesperado, o rei chamou seu conselheiro mais sábio e expôs o dilema.
muito tranquilamente, o sábio respondeu que ele não poderia deixar o povo morrer de fome. as pessoas precisam comer.
“mas elas vão ficar loucas, todos vão ficar loucos”, o rei respondeu.
o conselheiro ponderou: “verdade. e nós também, porque também temos que comer”.
“e o que vamos fazer?!?!?!”, o rei tava desesperado MESMO.
o conselheiro, impassível: “só o que a gente pode fazer é amarrar uma faixa na nossa testa. assim, quando todo mundo ficar louco, pelo menos a gente vai olhar essa faixa e saber que nós também estamos”.
FIM.
eu levei, sem brincadeira, ANOS pra entender essa história.
boa sorte aí pra vocês.
FOTOS DOS OUTROS
eu gosto de pensar que essas coisas na cabeça do oliver sacks e do robin williams nessa foto não são gorros de papai noel, mas faixas que eles amarraram na própria cabeça. para saber.
A OPOSIÇÃO MAIS AFRONTOSA ETC
hashtags que eu sou contra
eu podia dizer que eu sou contra hashtags no geral e encerrar essa recém-aberta sessão da newsletter, mas seria mentira. eu não sou CONTRA todas as hashtags. acho que minha relação com a maioria delas (exceto as de eventos ao vivo) é igual minha relação com bijoux dourada: não gosto pra mim, mas nada contra nos outros.
mas tem duas que realmente me deixam bolada.
a primeira: #ageless. eu ODEIO essa hashtag. entendo que ela surgiu para combater o etarismo e o objetivo é bom: tentar mostrar que existe uma porção de coisas para as quais a idade não importa. ou seja, coisas para as quais não tem idade (certa ou errada). aí a galera vai e se define como uma pessoa #ageless – uma pessoa que não tem idade.
e é aí que mora o perigo. pessoas têm idade, sim. eu não gosto de ser #ageless porque eu tenho idade, kct, e eu gosto de tê-la. não quero apagá-la. me custou chegar aqui para agora eu fingir que não contabilizei aí 44 voltas em torno do sol desse planeta, e continuo contando.
para rebater o etarismo, tem que colocar que a gente tem idade, sim, mas que as coisas que queremos fazer não.
a outra é #maternidadereal. como a #ageless, ela surgiu com uma ótima intenção: puxar o debate público sobre maternidade para longe da mistificação usual, coisa que em última instância também funciona como uma ferramenta de controle sobre a vida das mulheres.
porém, como dizia meu amigo zappa, “o caminho para o inferno é pavimentado de boas intenções” (taí uma frase que, se não é uma mansão no condomínio da minha cabeça, é pelo menos um arbusto no passeio em frente a uma delas). e a #maternidadereal rapidamente virou um despejo do PIOR da maternidade, uma sequência de pequenas histórias necessariamente horríveis, o que acabou fazendo com que as histórias boas, em oposição, só pudessem ser uma espécie de #maternidadeinventada.
isso acaba desmerecendo as boas experiências, legítimas também, do longo caminho da maternidade.
como qualquer coisa de enorme na vida, a maternidade é multidimensional. não dá pra reduzir a uma tag, a um aspecto apenas, a uma qualidade. certamente nem era essa a intenção de quem criou a #maternidadereal originalmente, mas as hashtags, além de serem como bijoux douradas, também são um pouco como jesus: elas em si nada contra, o problema é a fanbase EMOCIONADA DEMAIS que vem depois (e os cnpjs que tentam convencer as pessoas de que são meros cpfs, adotando as hashtags mais ou menos seis meses depois de elas terem morrido no ocaso).
MATERNIDADE E OUTRAS PILHAS
tempo para tudo
o dom só no último fim de semana me veio com “o que é a natureza?”, “por que existem números ímpares e números pares?” e “onde está deus?”.
a da natureza eu falei que era tudo que não é feito pelo homem, a dos números encaminhei pro ricardo e a de deus respondi: “deus está em vários lugares, o lance é que você tem que aprender a ver”.
me senti meio filósofa, meio impostora.
a terrível fase dos porquês.
*
enquanto isso, o milo tá mais na fase de apontar para os guindastes que pipocam no horizonte aqui da zona oeste e se admirar quando os braços enorme se mexem.
e de rir quando cruza o olhar com ele mesmo no espelho.
*
é aquilo, né. eclesiastes, 3:1.
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𝒻𝓁𝒶𝓋𝒾𝒶 𝓅𝑒𝑔𝑜𝓇𝒾𝓃🖊️
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Uma receita ou duas, uma história ou mais
Porque é o caso de perpetuar o que alguma outra pessoa criou pra encher bucho de família
- Mãe, seguinte: de repente pensei que eu preciso da sua receita de massa de torta, porque eu já fiz algumas vezes mas foi no olhômetro e acho que ficou só mais-ou-menos. Aproveita e me conta a receita daquele pão caseiro que você faz, que a Ondina fazia, que só eu não sei? Brigada, mãe.
- Anota aí:
[segue a receita da torta com tópicos como “umas 2 colheres de sopa de manteiga ou margarina ou banha ou o que tiver”, tipicíssimo de receita de mãe/vó/etc.]
- Show demais, mãe! Agora eu vou ali entrar no consórcio de um vidro de palmito e de meio quilo de frango e vou fazer a torta. Brigada.
- Aí o pão, anota (tudo isso transcorre pelo whatsapp, não carece anotar, mas eu entendi):
[e segue a receita do pão com passagens lindas como “aí vai colocando trigo e misturando até desgrudar das mãos, sovando. Coloca numa tigela, cobre com rolopac e deixa lá até crescer. Fica uma lua.”]
- Valeu, mamãe! Se der certo, mostro fotos; senão, só escondo e finjo que não aconteceu.
- Nota: mais gordura, a massa fica mais macia; mais trigo branco, mesma coisa.
- Ah, tá bem. Brigada. A barriga vai ficar uma lua também, eee!
Ela termina com uma piadinha de mãe/vó sobre a padeira ficar gorda.
Vou tentar fazer as receitas no fim de semana, porque torta salgada e pão sempre recheiam corpo e alma.
Vou lembrar das mãos da Ondina, com os dedos dobradinhos de artrose que hoje a minha mãe também tem e que eu com certeza terei, esticando e puxando a massa do pão, ajeitando na forma e da manteiga derretendo instantaneamente quando aquela belezinha saía do forno pra mesa.
Vou lembrar que a minha mãe corta fitas de massa com carretilha pra cobrir a torta e sempre elabora também três folhas e três bolinhas pra decorar o centro da dita cuja - o que me obriga a começar por elas na hora de comer, arruinando o layout com gosto.
Vou anotar de verdade as receitas no meu caderno, porque se um dia todo mundo morre (eu não pretendo, mas vai que acontece), as meninas terão tudo por escrito pra copiar.
Vou dizer que receita é um dos negócios mais espetaculares da existência humana e vou sugerir que vocês aí não deixem as suas e dos seus morrerem esquecidas. Já pra cozinha fazer história.
ETC E TAL
a última coisa do meu rolo da câmera
fascinada por essa campanha em pleno agosto com a gina dizendo singelamente entredentes: “cuide-se”.
(acho que comprei um palito velho demais).