olá assinantes (que chique!),
o que posso dizer hoje a não ser que passei o dia todo tentando matar um mosquito de ALTA ESCAPABILIDADE no escritório, e que o pequeno filhadaputa triunfou e continua lá?
hoje, dia do mosquito imortal, temos a lembrança da única vez que vi maria alice vergueiro no palco (e meus motivos para crer que mais alguém jamais se esquecerá daquela noite); um grito de alerta (e uma confissão de incapacidade) que, no fundo, podiam ser resumidos num pixo “consumo consciente de c* é rola”); as memórias de quando eu estava fazendo um bebê (que na verdade é um processo no qual você não faz nada) e um sonho que oito anos depois eu ainda não entendi (mas me fascina).
e agora gastei toda minha cota de parênteses por umas 13 edicões, hein.
(ainda bem que eu não sigo minhas próprias regras, quanto mais minhas próprias indiretas).
obrigada por continuarem vindo.
AINDA SOU EU
“não entendi NA-DA”
outro dia não era nem meio-dia e meu zap já tava assim.
aí lembrei do dia (ou melhor, da noite) em que iran e eu fomos nos aventurar pelas searas da arte contemporânea encenadas na lapa, e pegamos um ônibus depois do trabalho pra ir da paulista até o cacilda becker assistir de graça (ou por um preço módico, não lembro exatamente) a maria alice vergueiro em “why the horse”, uma espécie de encenação do velório dela. isso uns pares de anos antes de ela efetivamente morrer.
e aí foi aquela trip, aquele espetáculo cênico, aquela presença, a força de uma atriz velha no palco. e lembro de uma sequência que culminava com a entrada de uma outra atriz, seios de fora, montada em um cavalo (de mentira, mas muito imponente).
e eu e o iran assim: 😳😳
também foi naquela peça que eu conheci “não tenho medo da morte”, do gil, e foi um impacto ouvir essa música falando da morte naquela cadência, o concerto de cordas e máquinas de ritmo, “ainda pode haver dor, hein?, ou vontade de mijar”, o calo vocal do gil, as luzes do teatro, o escuro do teatro, a maria alice, “a morte já é depois”, o cavalo entrando, a mulher seminua, gelo seco, “como poderei ter medo se não terei coração?”. anos depois, quando comi feijão na casa do gil (literalmente) e falei para ele o quanto ele era importante para mim, eu tinha tantas músicas pelas quais agradecer que não deu tempo de entrar em “não tenho medo da morte”. mas ficou ali, na minha cabeça, para sempre.
e aí, quando acenderam as luzes, um momento sempre muito bom para observar a cara das pessoas voltando à realidade depois de experiências potencialmente intensas e confusas, o que dá alguma perspectiva para as dificuldades da sua própria volta – nunca me esqueço de quando as luzes se acenderam depois de um espetáculo da pina bausch, e uma velhinha ao meu lado se levantou, aplaudiu com entusiamo e declarou lentamente “não entendi NA-DA” – quando acenderam as luzes do cacilda becker, na lapa, naquela noite de 2015, iran e eu vimos embasbacados UMA CRIANÇA DE UNS SEIS ANOS na plateia, com os pais, e ficamos pensando em quantos anos de terapia (ou de abertura mental?) essa criança tinha acabado de ganhar da maria alice vergueiro. até hoje volta e meia o iran e eu, a gente faz piada com isso.
hoje chegou o iptu da minha casa, contratei um seguro pro carro e tenho que acabar de pagar a troca das calhas e rufos do telhado. estou potencialmente quebrada (classe-mediamente falando), resolvendo todos esses problemas classe-média. e foi muito bom lembrar daquela noite de 2015, quando tanta coisa me custou tão pouco.
SÓ OUTRAS PIRAS MESMO
tudo é vaidade
sabem, eu sinto muitas saudades de quando eu sentia que estava fazendo minha parte para salvar o mundo ao usar pano encerado em vez de papel alumínio, reciclar meu lixo e comprar roupas de pequenas marcas.
o foda é que, como dizia o eclesiates, tudo é vaidade, e é aí que o demônio pega nóis. você começa a fazer umas coisinhas, interessada em um estilo de vida de menor impacto, e quando vai ver seu ego, que é meio analfabeto, lê “estou fazendo minha parte para salvar o mundo” como “estou salvando o mundo”. e não sou só eu que estou dizendo.
e aí você periga cair na ilusão de que por comprar escova de dentes de bambu e trocar seu carro por uma bicicleta você obviamente é uma pessoa melhor que quem compra escova de plástico e anda de carro.
e quando o mercado percebe esse potencial ilusório, ele te vende a sensação de ser uma pessoa melhor que os outros, aumentando um pouco mais a barra do preço (e do absurdo) até chegar nos pijamas com reiki lá.
eu não aguento mais o capitalismo cooptando e reduzindo filosofias a nichos de mercado e deixando as pessoas malucas, e não sei bem como escapar disso. talvez fazer coisas fora da lógica de compra e venda seja uma possibilidade. talvez por isso escrever aqui, de graça, me deixe tão satisfeita. quase tanto quanto falar que consumo consciente é no mínimo uma piada, e no máximo uma mitigação.
MATERNIDADE E OUTRAS PIRAS
as memórias de criar alguém
— publicado originalmente no facebook em 7 de fevereiro de 2017.
eu vou largando essas fotos aqui pra ir me lembrando depois.
* * *
é impossível separar o ato de ter um filho do exercício meio viciante da projeção de si mesmo. o mais comum é soltar o freio de mão e descer essa ladeira na banguela, começando pelos comentários inofensivos de "vai ser inteligente que nem o pai", "vai ser simpático como a mãe", passando pelo enfeite de porta com o SEU time e seguindo para os macacõezinhos estampados com a SUA banda favorita.
acho que boa parte disso é um truque sujo da natureza. ela precisa se certificar de que a gente não vai despachar o bebê numa cestinha depois de algum tempo de privação de sono ou na primeira vez em que surgir a pergunta crua e honesta "meu deus o que foi que eu fiz?!". o bebê humano requer um investimento insano de cuidados comparado a qualquer outra espécie, então os pais humanos tinham que, de uma maneira ou outra, enxergar a si mesmos naquele bebê.
eu tô tentando segurar essa onda e evitar minha entrega total ao vício da projeção, mas de fato não tem como perguntar pro nenê como ele quer se chamar ou se ele prefere azul ou verde na parede (acabamos pintando uma parede de cada cor). tem uma porção de coisas que a gente vai ter que decidir meio que de acordo com os nossos gostos.
* * *
se pensar objetivamente, a real é que eu não estou fazendo nada para que o bebê, digamos, surja e exista. tudo que eu faço é comer e dormir (e evitar drogas e bebida). não é como se eu tivesse que me concentrar: "ok, agora vou fazer os pezinhos. e depois do almoço, a sobrancelha". tudo isso tá acontecendo independentemente dos meus desejos ou esforços. e, olha, vou dizer que JÁ CANSA PRA CARALHO, imagina se eu tivesse que pesquisar um briefing, criar um board de referências no pinterest, assistir uma pá de tutoriais e, finalmente, FAZER OS PEZINHOS DE FATO.
tudo o que eu tenho é a honra de que isso aconteça, de alguma forma, dentro de mim: um bebê fazendo a si mesmo. alguém que não tinha, e que agora vai ter.
NEM EM SONHO
corazón, a mi tres me bastan
oito anos e três dias atrás eu tive esse sonho (e ainda não sei se entendi).