o fim do mundo (como o conhecemos)
pro eclesiastes, não há nada de novo sob o sol. mas o que ele não considerou é que, embora tudo já tenha acontecido, essa é a primeira vez que acontece com a gente
diz o livro bíblico do eclesiastes que não há nada de novo sob o sol.
mas o que o eclesiates não levou em conta é que, embora tudo já tenha acontecido antes, esta é a PRIMEIRA VEZ QUE ACONTECE COM A GENTE, e aí fica difícil fazer a tranquila e botar a cabeça para fora d’água.
porém, lembrar desse conceito é uma boa maneira, sim, de ganhar perspectiva sobre nossa percepção de ESTADO DE DISGRACEIRA GENERALIZADA em que o mundo parece estar.
(eu ia botar uma citação bíblica aqui, mas essa newsletter leva tanto tempo para dar as caras entre uma edição e outra que vai que pensam que nessas brechas aí eu me converti, então quem quiser olha lá no eclesiastes 1:9-11).
sem mais delongas, tá aí uma edição que começa com o fim do mundo e termina com tigres feios.
it’s the end of the world as we know it
tenho deitado na cama e feito nada a não ser ler um livro de técnicas de cozinha (na verdade ele se chama exatamente “400g — técnicas de cozinha”). claro que antes de abrir o livro, toda noite, me deito inclinada a pegar o celular (depois me lembro que vou pegar o celular pra quê mesmo? pra NADA) ou a ver algo no streaming (e aí me lembro que vou assistir o quê mesmo? isso mesmo, NADA, não tenho NADA em mente e provavelmente vou passar 30 minutos fazendo doomscrolling, só que nos streamings).
aí, rapidamente, antes que eu mude de ideia e encontre uma justificativa para mais uma dose de luz azul, uma dosezinha só, vai, abro logo o livro e fico lá aprendendo sobre monter au beurre e escalfar, coisas que não são úteis nem comoventes, coisas que não me dão nenhum tipo de gatilho imediatista, e vou me deixando afundar num sono tranquilo e sem sustos, como se eu estivesse afundando em um tapete vermelho ao som de “perfect day” do lou reed mas sob os efeitos de letras gravadas em um papel em vez de heroína.
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fui escrever no excelente núcleo a convite do meu amigo alexnahuias orrico e acabou saindo um texto que foi parar até para a minha última sessão de terapia.
isso porque eu estava contando para a minha terapeuta que comecei o bagulho com uma ideia em mente – “como pode revistas do século passado descreverem precisamente minha vida atual?” – mas desse espanto pessoal percebi que boa parte das reclamações que a gente tem hoje já eram feitas por pessoas do século passado.
isso parece óbvio, mas não é sempre que a gente se lembra de que não somos os primeiros sofredores de angústia, ansiedade, insegurança, esgotamento, medo e males do capitalismo. questões que podem parecer muito contemporâneas talvez tenham atingido colegas de geração da sua avó.
(eu gosto dessa perspectiva porque ela me dá alívio, é como olhar as imagens de documentários da bbc sobre o espaço ou ver fotos do hubble e lembrar que o universo é infinito. eu encontro muito conforto no reconhecimento da nossa pequeneza).
e aí o texto chega ali a um ponto em que eu concluo que meio que tudo que a gente tá vivendo agora já aconteceu em algum momento na terra, e nem faz tanto tempo assim:
“Então, quando achar que esta geração é a primeira a sentir essa DESCRENÇA NO FUTURO, esse MAL ESTAR DO CAPITALISMO em um combo com GUERRAS e PANDEMIAS, lembre-se que em 1912 o Titanic afundou, em 1914 começou uma Guerra Mundial, 1918 já engatou a pandemia de gripe espanhola, em 1929 a Bolsa americana quebrou, em 1936 começou a Guerra Civil Espanhola (que teve o fascismo vencedor) e, quando o pessoal achou que não era possível mais desgraça, bom, no dia 1º de setembro de 1939 a Alemanha invadiu a Polônia e depois você já sabe.”
mas conversando com a graça (atenção: não é trocadilho, é o nome da minha terapeuta mesmo) depois do texto publicado percebi que tem uma DISGRAÇA que a gente nunca tinha enfrentado antes: a ameaça da mudança climática.
o ricardo esses dias encontrou um amigo que tem duas filhas na casa dos 20. ele disse que sente que a geração delas tem a clara certeza de ser a geração do “fim da festa”.
aos 46 eu tenho essa mesma sensação, mas pelo menos curti uns anos de pista aí.
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sinto que às vezes as pessoas podem achar meio alarmista falar em fim do mundo por causa da mudança climática.
(sempre que eu falo em “fim do mundo” o ricardo me lembra que o mundo não acaba, quem acaba é a gente).
mas o ponto é que acho que as pessoas confundem o fim do mundo realista com o fim do mundo alegórico (o juízo final bíblico, “não olhe para cima”, etc).
o fim do mundo real e possível, batendo aí na nossa porta, é o fim do mundo COMO O CONHECEMOS.
e, acredite, isso já é muito. já é bastante sofrimento, que provavelmente vai ser entubado especialmente no cu de quem já se fode mais, com o perdão do meu francês.
para mim já é fim do mundo suficiente.
se quiser ler, aqui está o texto do núcleo que começou como uma insuspeita homenagem ao instagram do venceslau gama, que a manu me indicou e que eu adoro, e acabou virando tema de uma reflexão que chegou até a sala da minha terapia.
poucas e boas
li essa reportagem na folha e não sei o que dizer, só sentir (raiva). fiquei imaginando um react do ailton krenak a esta merda.
como é que porcelanato foi se transformar em um objeto de desejo e marcador de sucesso? e peloamordedeus, o primeiro fdp sem visão que fizer o pernalonga de batom e botar a culpa no MAU GOSTO DO POPULACHO ganha uma casa de R$ 1,5 milhão em paracatu.
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sonhei que eu achava ouro de aluvião em los angeles, e o mais estranho é que eu não sei o que é ouro de aluvião.
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o milo esses dias acordou com o nariz sangrando – aquela coisa comum, tempo muito seco, etc. limpei o narizinho dele, ele viu o sangue no lenço e falou, parecendo surpreso e satisfeito: “o sangue é vermelho!”. aí analisou a prova por uns segundos, depois enunciou: “o sangue é o melhor amigo do MOLHO”.
vai saber o que se passa, né.
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ontem, em um grupo metade composto por pessoas que estavam se vendo pela primeira vez mas trabalham todas na comunicação, concluímos que a adoção e a popularização do modelo de carreira em Y sanariam por baixo uns 80% dos problemas com chefia no brasil – e todo mundo está, sim, pronto para essa conversa.
ninguém perguntou
mas aí vão três coisas com as quais eu topei essa semana e que eu recomendo a quem quiser topar também:
o CLIMAÇO de “coffee cold”, galt macdermot, que combina com absolutamente qualquer atividade do dia, de trabalhar a fumar um cigarro pensando na vida;
essa reportagem da piauí sobre a soninha (para assinantes), que vai me fazer ficar pensando por um tempão, fora TUDO O MAIS, na relação entre as palavras “criança” e “criado”;
esse reels da national gallery que coloca as crianças para explicarem porque caraio os europeus desenhavam tigres assim:
OBS: todas as imagens que ilustram esta edição são do fabuloso venceslau gama, alter ego do rafael monte; para as descrições de imagens, usei a plataforma de inteligência artificial describe picture, com edições feitas pela minha própria inteligência, natural mesmo, em maior ou menor grau.
a impressão é de que é tudo sempre na nossa vez, né? ou que agora vai ser pior do que já foi...
“o sangue é o melhor amigo do MOLHO”. empatia e identificação pelo vermelho entre eles. apresente o molho BRANCO pro Milo e vamos ver o que acontece.