os bons tempos nunca existiram
existem só 'tempos'; 'bons' é bondade sua – ou: o que leva uma pessoa a lamentar que não existem mais bandas como o dr silvana e cia?!?!
vou me esforçar ao máximo para não começar essa edição falando “já estamos em dezembro” mas meio que já estamos mesmo e todo dezembro eu fico nostálgica – cheiro de jasmim, calor, a luz do fim da tarde que fica meio alaranjada contra o azul chumbo das nuvens da tempestade de verão. panela de pressão apitando, cheiro de boneca nova. os verões e seus dezembros parecem um buraco de minhoca por onde eu viajo no tempo.
mas deus me livre voltar, deus me livre completar qualquer frase sobre isso com “é que era bom”. me deixem lembrar à vontade, mas quando eu achar que o hoje não presta comparado a esse tempo, um tempo que tem a suprema vantagem de ser visto com a bondade e o esquecimento com que a gente olha os que já passaram, nesse dia podem me internar.
hoje, como a desobrigação de amar o bebê me fez, bem, amar o bebê; comentaristas de youtube com saudades de um tempo que na realidade nunca existiu; a conclusão da saga da perna depilada e uma citação de claes oldenburg que define meu alinhamento.
se você caiu aqui por acaso e gostou do que viu, aí vai um botão para você. e até a semana que vem.
MATERNIDADE E OUTRAS PIRAS
o meu também é filho
quando eu soube que estava grávida de novo, a primeira coisa que eu senti (depois do susto do tracinho azul duplo e do alívio do som ritmado das ondas-batimento no primeiro ultrassom) foi a tranquilidade da DESOBRIGAÇÃO de amar o bebê.
isso porque eu já conhecia esse caminho em mim. não me existiu amor imediato quando o domenico saiu da minha barriga, aquela imagem cristalizada de um borrão de luz que explodiu na tela do ipad pendurado pelo obstetra antes do campo cirúrgico, e que segundos depois estava perto de mim feito carne, cabeça com cabeça, nós dois dispostos opostos na mesa de operação.
falo para o dom que sou a pessoa que conhece ele há mais tempo: “eu vejo você desde a sua hora zero”, digo quase toda noite. e é verdade.
mas amor AMOR mesmo foi construído. foi construído porque não parei de olhar para ele desde então.
quando o dom nasceu eu senti muito alívio, alívio e gratidão, logo transformados em cuidados e proteção. um aspecto do amor, ok, mas não amor como eu sinto hoje.
hoje – faz um bom tempo já, agora – é o amor do conhecer, conhecer alguém há muito tempo; o amor de apreciar a personalidade, a imaginação, a companhia de alguém; e de sentir que todo o tempo que houver ainda para conhecer, apreciar e ficar perto da pessoa seria pouco.
volta e meia tento explicar o quanto eu gosto dele. um dia ele falou “eu já entendi quanto você gosta de mim”. esperei. “você gosta de mim sideral”, ele enunciou. concordei.
por isso, quando soube que eu estava grávida do milo – a cartinha de sorte (naquelas sorte ou revés) que eu tirei no jogo (literalmente) da vida –, não tinha nenhuma expectativa do amor incondicional imediato que muitas mães relatam. eu já tinha entendido que o amor para mim é construção.
e aí, como a vida é o que acontece enquanto você faz planos, como diria john lennon, mesmo que esses planos sejam baseados em experiências prévias, como completaria paul mccartney (brinks), assim que eu ajustei minhas expectativas para começar a amar o milo ao longo do nosso caminho… eu me apaixonei por ele antes, muito antes do que eu esperava.
ter outro filho tem sido muito elucidativo.
SÓ OUTRAS PIRAS MESMO
os bons tempos nunca existiram
tudo começou quando eu li esse artigo aqui do michel laub – um excelente exercício do que renato russo pensaria do bolsonarismo se vivo estivesse hoje.
a descrição dos comentários que ele encontrou no youtube, dada nos primeiros parágrafos do texto, me deixou sem palavras. eu tenho uma bronca imensa desse pensamento pífio do “no meu tempo é que era bom”, uma babaquice proferida por alguém que invariavelmente está em um ponto qualquer entre o completamente equivocado e o desbragadamente canalha.
aí topei com esse tuíte sobre rolês de rock, que me fez dar muita risada, e como bônus ainda teve essa resposta aqui e tudo que se desenvolveu debaixo dela.
foi a deixa para eu ir olhar lá no youtube com meus próprios olhinhos. e, olha, eu testemunhei o fenômeno, e me faltam palavras, viu.
por exemplo, esse comentário aqui que se pergunta “pq não existem bandas assim hoje em dia”, acompanhado de um emoji EM PRANTOS, é sobre… DR SILVANA E COMPANHIA. isso mesmo. a banda do hit serão extra, também conhecida como “ela foi dar, mamãe” (a propósito, saiba o comentaristas que não só se fazem bandas assim atualmente, sim, como o PRÓPRIO dr silvana continua em atividade e fará um show no dia 4 de dezembro na ilha do governador).
e este comentário defendendo que “não havia maldade nessa época, só música boa” se refere a AMANTE PROFISSIONAL, uma música da banda herva doce sobre PROSTITUIÇÃO MASCULINA.
aqui temos alguém disposto a discorrer sobre os dotes líricos de uma letra simples do TRIO LOS ANGELES, a transas e caretas (na verdade composta pelos imbatíveis sullivan & massadas, mas loooonge de ser a peça mais brilhante deles).
e eis aqui alguém disposto a comentar que não existia pornografia em BAGULHO NO BUMBA, dos virguloides, em um clipe que, apesar da música ser sobre um baseado perdido no ônibus, trazia uma mulher de biquíni dourado rebolando.
o problema de todas as gerações é que elas realmente se acham as últimas (boas) bolachas do pacote, a ponto deste representante aqui considerar “a cera”, do surto – mais conhecida como PIROU O CABEÇÃO – o epítome de uma época em que “realmente as músicas faziam sentido”.
a nostalgia sem freios aparentemente tem o poder de fritar o cérebro das pessoas.
MATERNIDADE E OUTRAS PIRAS 2
pelo menos – update:
e depois de 12 (DOZE) dias em que permaneci com uma perna depilada (com cera fria) e a outra não, pensando como isso era possível e depois conjecturando que quando eu fosse depilar os pelos da outra perna a primeira já podia estar a meio caminho do crescimento e isso DESSINCRONIZARIA MINHAS PERNAS PRA SEMPRE…
me deu um estalo e simplesmente meti a gilete na outra perna.
eu não sei como levei doze dias para pensar nisso. às vezes eu sinto minha inteligência indo embora com o leite.
AS PALAVRAS DOS OUTROS
teve uma época aí da minha vida em que eu fui trabalhar na gerência de comunicação de uma marca e essa experiência me fez enxergar coisas que eu nunca tinha percebido sobre trabalho e capital. pouco antes disso eu tinha lido “sapiens” e meio que pirado com o livro, e na sequência, sabe deus porquê, fui ler “tudo que é sólido desmancha no ar”, e tudo isso foi como irrigar um solo em que você não sabe muito bem o que vai brotar, mas já intui que o que nascer ali vai mudar a paisagem para sempre.
e é do “tudo que é sólido desmancha no ar” esta citação do claes oldenburg:
“sou por uma arte que se confunda com a merda cotidiana e que acabe por vencê-la. (…) sou a favor de uma arte que ajude velhas senhoras a atravessar a rua”.
bônus track: aqui está a maria da conceição tavares DESANCANDO esse livro e o marshall berman, aka “o pobre do sujeito que veio lá do bronx”.
Toda uma geração descascando a sofrência enquanto seu hino é Evidências. O dia que eu descobri que era millenial foi loko.