que país é esse?
memórias de uma sandália de plástico e um coro de vozes adolescentes em uma noite de verão em 1995, memórias das bobeiras que a gente fazia no buzzfeed, dores e sonhos na véspera de adoecer
olá, kiridos e kiridas
pensando nas letras do legião, eu sempre imagino aqueles versos de “índios” como uma chamada do g1: “eu quis o perigo e até sangrei sozinho; entenda”.
essa semana também lembrei de um dos livros que mais mexeram com a minha pobre cabeça: “o andar do bêbado”, que me foi recomendado por aquele que está entre os mais relevantes influencers analógicos da minha vida, o quinho – o mesmo cara que me contou aquela história do reino em que duas pessoas amarraram faixas na cabeça para pelo menos SABEREM que estavam loucos.
(o quinho me influencia horrores).
também nessa semana voltei a andar de bicicleta. tava meio ressabiada, com medo de ter perdido a malícia e preocupada em fazer um caminho em parte sem ciclofaixa e depois de escurecer. mas aí descobri que andar de bicicleta é igual a… andar de bicicleta. você simplesmente não esquece.
não esquecer, aliás, é quase sempre a cola que mais une essa newsletter. hoje não é diferente: memórias de uma sandália de plástico e um coro de vozes adolescentes em uma noite de verão em 1995, memórias das bobeiras que a gente fazia no buzzfeed, dores e sonhos na véspera de adoecer.
se você gosta desta newsletter e não se machuca com a periodicidade bissexta dela, considere assinar. quem sabe um dia você pode até virar meu mecenas – urge a volta do mecenato, mas eu mesma não estou preparada para essa conversa. não hoje.
parece cocaína, mas é só tristeza
no final de 2017 eu era editora na redação do buzzfeed brasil e o davi vendeu uma pauta que eu quase caí dura para trás: era alguma coisa do tipo “a verdade sobre 2017” e, quando você clicasse, dentro ia ter a letra daquela música da vanessa da matta e do ben harper: “é só isso… não tem mais jeito… acabou… boa sorte…” ilustrada por memes.
era para ir ao ar no dia 31/12 exatamente, e só valeria por um dia mesmo.
nessa fase do buzzfeed brasil a gente tinha uma fé inabalável na piada, e é claro que o post foi pro ar (e assinado por todo mundo porque, como eu disse, a gente tinha fé na piada, ou talvez achássemos que se desse ruim pelo menos daria para todo mundo junto).
depois disso, entre nós, a música começou a marcar toda e qualquer situação de “acabou”. chegou no quilo às duas da tarde? era só fazer uma cara grave e começar a cantarolar os versos de abertura da música. dia de passaralho na redação? sobe BG vanessa da matta e ben harper.
corte para sete anos depois: tô dirigindo e ouvindo rádio quando começa a tocar “boa sorte” e eu tenho um ataque de riso a caminho da escola do milo. percebo que aquela música, tão bem produzida, gravada para criar um clima profundo e meio cool, irreversivelmente virou uma piada na minha cabeça (e provavelmente na dos meus amigos também).
fico com um pouco de pena da vanessa da matta e do ben harper enquanto os dois seguem cantando no meu dial e logo tenho a segunda revelação do dia: ESSA LETRA NÃO FAZ NENHUM SENTIDO MESMO, na parte B vem uns papos pra se curar de uma pessoa que te aconselha e, afinal, isso é uma música ou um folheto de escola de inglês com a letra traduzida?!?!
bom, não é à toa que oficialmente a música chama “boa sorte/ good luck”.
achei um 3x4 seu e não quis acreditar que tinha sido há tanto tempo atrás
assolada por uma virose — o que eu desconfiava, mas ainda não sabia — semana passada despertei no meio da noite com uma tempestade se formando na barriga.
eu estava pensando em qual foi meu vestido de formatura no colegial (atualmente conhecido como “ensino médio”).
lembrei que fui à celebração, organizada pelos alunos apenas por causa de alguma briga da turma com a diretora, usando um vestido curto, cor de rosa e estampado, de flores que pareciam margaridinhas, e uma sandália de plástico. olhando em retrospecto, era a minha cara. não lembro o que fiz no cabelo.
como uma formatura extra-oficial, apesar de ter aqueles convites-livrinhos com capinha de camurça e “turma de formandos - 1995” escrito em dourado, não teve fotos. quer dizer, teve, deve ter tido, não sei se de fotógrafo profissional ou só das famílias, as câmeras ainda com filmes de rolo de 12, 24 ou 36 poses. mas eu não tenho fotos.
(se teve fotógrafo profissional, bom, 1995 era o ano em que eu fazia vaquinha entre as minhas amigas da sala para comprar o convite dos famigerados bailes do singular no aramaçan, então obviamente eu não comprei o álbum).
também não lembro dos meus pais ou dos meus irmãos lá.
eu tive duas formaturas de colegial, porque fiz o ensino médio regular e o curso técnico de magistério juntos. então, em 1995 me formei no regular e, no ano seguinte, no magistério. a festa de 1996 está muito melhor documentada na minha cabeça – e no álbum com capa de couro que fica guardado em uma maleta no guarda-roupa: meus cabelos longos, soltos e escovados; um vestido todo colorido desse tamanhinho aqui 🤏; “cherish”, da madonna mas cantada pelo renato russo, tocando como trilha escolhida pelas minhas amigas para a hora em que eu subi ao palco para pegar meu diploma.
já da festa de 1995 não me lembro quase nada, mas lembro que cantamos “vamos fazer um filme”, do legião urbana. uma música que eu não gostava muito, não. achava a letra solta e meio sem pé nem cabeça. nessa época, aliás, como uma cobra que troca de pele, ao mesmo tempo em que me despedia da adolescência eu também estava me desfazendo do gosto por legião urbana, uma banda canônica para quem foi adolescente ao longo dos anos 90.
pois na noite da semana passada, quando acordei por completo com a tempestade na barriga transformada em urgência, estava ouvindo na minha cabeça o coro de vozes adolescentes ecoando em uma noite de verão no final de 1995 no abc:
“deve de ser cisma minha
mas a única maneira ainda
de imaginar a minha vida
é vê-la como um musical dos anos 30
e no meio de uma depressão
te ver e ter beleza e fantasia”
levou quase 30 anos e a vigília de uma doença se instalando durante o sono, na calada da noite, para eu reconhecer a beleza dessa música e o quanto ela foi perfeita para aquela noite.
às vezes o que eu vejo quase ninguém vê
antes de ficar doente naquela madrugada, na noite anterior eu tive um sonho e registrei isso (relendo o primeiro parágrafo percebo que eu estava apenas ficando doente kk):
meus tornozelos doem, minhas costas doem, meus braços, punhos, dedos dos pés. minha cabeça, por dentro da barriga. fico pensando se estou velha e sempre vai ser assim, e devo me habituar à dor – que, devo confessar, não é crítica, apenas chata – ou se tem outros problemas mais evitáveis que eu deva resolver.
sonhei esta noite que eu abria a caixa de correio da minha casa, que na real tem aquele formato padrão, uma caixa de alumínio embutida ao muro, e ela tinha o tamanho de um box de banho pequeno. lá dentro estavam centenas de cartas para mim, cartas de pessoas da minha vida toda – eu me lembro de uma escrita por f. – e algumas contas também (o que me faz pensar na icônica frase final de “quanto mais quente, melhor”).
e eu sentia que aquilo era um tesouro que ninguém podia tirar de mim, um material precioso do qual eu tinha me esquecido e que parecia providencial e brilhante reencontrar, como quem acha 50 reais no bolso do casaco do último inverno, mas mil vezes melhor e mais importante; como quem acha 1 milhão no bolso do casaco do último inverno, sentindo ao mesmo tempo a surpresa do reencontro com aquilo que sempre foi seu, que agora vai ser fundamental e maravilhoso desfrutar, mas ao mesmo tempo aquele certo estranhamento de reconhecer que, no fundo, aquilo sempre esteve ali.
como aquele outro sonho da minha infância em que eu achava uma casa enorme, com todos os quartos que minha família, crescida demais para viver em uma casa de 80m2, precisava ali nos anos 80, e eu achava essa casa “escondida” atrás do alçapão do sobrado geminado, de dois quartos e um banheiro, onde morávamos no bairro assunção.
nos meus sonhos sempre descubro que as coisas que estou procurando já são minhas mesmo, sempre foram minhas.
depois eu sonhei que a marília gabriela, ainda bem jovem, falava para mim, com aquela determinação audaz mas não agressiva, que era para eu escrever, eu precisava escrever, não podia parar de escrever.
que país é esse?
hoje eu estou fascinada por esta bobagem aqui do terrible maps: um mapa da américa do sul, mas a américa do sul é o brasil e o brasil é a américa do sul.
bônus track: este outro mapa nas respostas, brasileiros levando a piada a níveis muito mais altos e alguns gringos não entendendo nada nas replies.
Sempre uma grata surpresa quando brota sua newsletter no meu email, o sentimento também é meio de achar dinheiro no casaco do inverno passado. Sdds das bobeiras de BF tbm <3