A única superstição na qual eu ainda acredito é a Mega-Sena da Virada.
Aliás, essa loteria é pano de fundo para uma das maiores histórias de filhadaputagem que eu conheço.
Diz que teve um sujeito que ficou responsável por levar a grana do bolão e fazer a aposta do pessoal. Não, ele não fugiu com o dinheiro, o que seria muito óbvio e rasteiro. Ele fez pior: olhou os números que o sistema sorteou para o bolão e JOGOU UMA APOSTA INDIVIDUAL COM OS MESMOS NÚMEROS. Ou seja: se o grupo ganhasse, ele ganhava sozinho metade do prêmio – mais a cota correspondente da outra metade.
Se isso não é ser filhodaputa, eu não sei o que é.
Hoje temos uma escavação pessoal aleatória de relatos antigos: meu ano de 2006 resumido em um texto, meu ano de 2013 resumido em uma imagem, um sonho e o que pode ou não ter sido um sonho em 2011, a gênese de um enunciado sobre o problema da humanidade que me ocorreu em 2015 e uma foto quintessencial da minha vida em 1979. Assim, fora de ordem mesmo. Não é o que todo mundo faz nessa época?
Mas agora, falando cronologicamente, feliz 2022. É o que dizem que vem aí, e se a gente de alguma forma finalmente sair de 2020 já tá bom.
No mais, compartilhe, assine, conte pros seus amigos. Ano que vem vai melhorar (não é o que todo mundo promete nessa época?).
2006
Dois mil e seis
Ou Rápida e pessoal retrospectiva do ano
Em janeiro eu ouvi um tambor e achei que era a chuva vindo. Meu computador quebrou e fiquei uma semana cega, surda, muda e reflexiva, porque ninguém pode ficar assim só porque falta um computador, visto que a gente já viveu uns bons pares de milênios sem a máquina. Mas assim foi.
A certa altura de fevereiro eu achei que ia virar eremita. E então almocei com um cara que eu não conhecia, a não ser através do computador, e vi que as pessoas podem ser em presença tão gentis e engraçadas quanto são virtualmente. Desisti de procurar minha própria caverna.
Quando chegou março, eu me levantei às sete e me senti uma clandestina nas horas da manhã. Depois não sei mais nada (porque cometi o despautério de não anotar uma mísera entrada em meu diário naquele mês), a não ser que aniversariei. Não que tenha uma entrada a respeito, mas essa eu me lembro de cabeça.
Em abril eu ouvi a chuva vindo e pensei que fosse um tambor. A chuva caiu por uma semana, mas parecia a vida inteira.
Já para os tantos de maio, achei que eu tinha um problema sério e insidioso. E depois vi que era bobeira. Então achei que eu tinha presença de espírito. Mas isso era bobeira também. Então engendrei uma ligação entre os significados de “sentido”. Não sei se deu muito certo, fiquei com vergonha de mostrar para alguém e descobrir que era mais uma bobeira.
Nos idos de junho eu sonhei com um tigre bebê, uma águia e um bando de leões e decidi jogar no bicho. Deu coelho ou avestruz, algo assim. Afixei uma nota mental: ignorar solenemente sonhos com animais.
Em julho eu decidi andar por um caminho. Devia ter vindo o frio, mas na verdade não veio. Quase não teve inverno esse ano, o que me deixou com um sorriso de orelha a orelha e uma sutil vontade de comer fondue que passou depois de meia hora.
Quando foi agosto os dias ficaram melhores de uma hora para outra. Mas não aconteceu nada para explicar tal fenômeno.
Em setembro eu descobri, para meu espanto, que não sabia falar “espiral” em inglês. Depois a primavera chegou e nós comemos e bebemos na casa nova da Roberta, que finalmente ficou pronta.
Outubro foi o mês das eleições e eu passei umas 23 horas por dia no computador, rebatendo e-mails mentirosos e me explicando para scraps maldosos e/ou violentos. Mas no segundo turno eu vi o homem por quem eu passei tanto perrengue e tudo fez sentido.
Em novembro eu conversei com uma mulher meio maluca que me pediu um cigarro na estação de metrô. Cabulei várias aulas de chinês porque os dias estavam simplesmente lotados
Agora, em dezembro, eu vi um passarinho bem pequeno ciscando perto do meu vaso de espada de São Jorge. Vi ainda que estou cansada não só do lirismo comedido – feito Manu Bandeira, que além de poeta lindo era também macumbeiro em “Macunaíma” – como também da moldura do Word, das idéias de frilas, da faxina na cozinha, de meter a roupa na máquina e pendurar no varal, das receitas de bolo que eu sei, do cigarro e do café e dos programas todos de tv.
Nada mais natural do que estar cansada. Foi um ano longo e bom.
— publicado em 15 de dezembro de 2006, no garotas que dizem ni (não tem link pois não existe mais).
2013
Não foi um ano bom
2011
Docinho
Sonhei que o Serra e o FHC foram comer sobremesa em casa.
O Serra levou petit gateau e eu mandava ele por os bolinhos no microondas antes de servir.
Para dar aquela derretidinha, sabe?
—sonhado de 2 para 3 de janeiro de 2011, publicado no satisfeita, yolanda?
O teatro e o meu cu
O edredon verdinho que ainda me cobre hoje tinha borboletas brancas, eu acho. Isto há muito tempo.
Digo 'eu acho' porque eu mesma desconfio muito de mim.
E também porque não há o menor sinal da estampa de borboleta sobre a trama agora.
Talvez eu tenha imaginado as borboletas brancas.
Mas por que eu teria imaginado isso?
* * *
Tem aquela história famosa que nós contamos sobre o Zé Celso.
Trata-se de um trecho inesquecível de uma entrevista em que ele explica como descobriu o teatro. Ele aponta para o cocoruto e repete a frase solene:
"Eu descobri o teatro quando eu descobri o meu cu".
Supostamente fui eu que assisti isso, ainda nos tempos de rua Atlântica. Muito tempo mesmo, era pré-YouTube. E contei para a Roberta. E ela contou para a classe inteira. E cada uma das meninas da classe reproduziu aquilo de forma que, hoje, os meus colegas de trabalho conhecem a frase. E não por mim.
Mas, para falar a verdade, eu não me lembro mais da cena.
Para falar a verdade, eu acho que a repetição da história simplesmente ocupou o lugar do acontecimento original.
(Porque, por outro lado, eu acho que seria incapaz de inventar esta cena, embora eu adoraria tê-la inventado).
Que nem as borboletas brancas.
—publicado em 17 de maio de 2011, no satisfeita, yolanda? original
2015
Nós, por exemplo
a todos aqueles que acham que [ter um filho | viajar o mundo | abrir seu próprio negócio | adotar um cachorro | se locomover de bicicleta etc] os tornou uma pessoa melhor do que eles mesmos eram antes, uma salva de palmas.
a todos aqueles que têm a certeza de que [ter um filho | viajar o mundo | abrir seu próprio negócio | adotar um cachorro| se locomover de bicicleta etc] os tornou uma pessoa claramente melhor que os outros, boa sorte aí com esse sentimento.
—publicado em 25 de fevereiro de 2015, no satisfeita, yolanda? versão tumblr
1979
eu em bertioga, quase minha cidade natal, em outubro de 1979
o quentinho no coração que dá ler juntas as quatro palavras "garotas que dizem ni". o suspirinho triste porém meio feliz (acho que é melancolia o nome) em ler "sem link, pois não existe mais".