long time no see.
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faz três dias que eu durmo e acordo meio que pensando no primeiro parágrafo de “saudades do brasil”, do lévi-strauss. absolutamente comovida pela beleza precisa. é a coisa mesma. percebo ainda seu odor.
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a tela do meu laptop tá tão suja que a carinha do finder parecia que tava com uma sobrancelha erguida, mas era uma sujeira?!?
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chegou a época de reprodução do sabiá-do-campo. como eu sei disso?, talvez você esteja se perguntando. bom, é que de tempos em tempos o terraço da frente de casa fica interditado para humanos devido à constante vigilância e aos consequentes ataques de um passarinho – que o vizinho apelidou de “alfred”.
minha hipótese é que alfred faz seu ninho na árvore que fica na calçada, entre a minha casa e a do vizinho, que são geminadas. como os terraços são no segundo andar, e ficam bem próximos à copa, acho que o pássaro entende os humanos circulando nessa área como potenciais ameaças à cria.
não é sempre. na maior parte do ano posso desfrutar do terraço, que recebe sol o dia todo; eu costumava ir fumar lá enquanto os meninos estavam na escola e, nos dias menos quentes, dá até para trabalhar na mesa ali na frente, ao lado do canteiro.
mas quando alfred ESTÁ NAQUELES DIAS (da reprodução), ele simplesmente dá rasantes na sua cabeça e grita CRÁÁÁ enquanto passa a centímetros do seu ouvido. ele poderia causar algum dano mais relevante? acho que não, mas é assustador à beça. e, sério, não dá pra fumar um cigarro sossegada com um passarinho puto dando rasantes na sua cabeça.
mas tudo que a gente pode fazer é esperar os filhotinhos saírem do ninho, e aí tudo volta ao normal.
(nesse meio tempo também parei de fumar, o que ajuda bastante inclusive em várias questões que não só a interdição de parte da sua propriedade por um pássaro em época de reprodução).
ah, sim. e como eu, a garota que da fauna urbana paulistana sabe distinguir apenas ratos, urubus, pombas e capivaras, descobriu que era assediada por um sabiá-do-campo? gravei um videozinho do alfred (que deve ser uma passarinha, aliás) e mandei pro roni, meu primo, que mora em bertioga e manja tudo de bichos. ele identificou na hora.
daí contei essa dramática história, de sofrer perseguição por um sabiá-do-campo dentro da minha própria casa, pra lija, minha amiga que tava numas de observação de pássaros. e ela me respondeu “que bonitinho, cla!”, o que me deixou sem outra alternativa a não ser responder assim:
ps: a frase é ilustrativa e pode ou não refletir a opinião do alfred naquele momento. já a imagem é real, e data de 2 de dezembro de 2022, última época de reprodução do alfred.
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saí do banho e me deparei com a cama na qual passei o dia quase que todo deitada. senti uma necessidade inexplicável de esticá-la. empurrei o laptop e o “saudades do brasil”, bati as almofadas e travesseiros, afofei, alisei o lençol verde água desbotado enquanto ouvia ao longe o apito da manobra do caminhão de lixo reciclável, e me dei conta de que estava arrumando com esmero uma cama imediatamente antes de deitar nela de novo, agora para dormir.
muita gente ia olhar isso e pensar “que loucura, qual o sentido de arrumar a cama logo antes de deitar?” mas aí notei que tenho uma explicação perfeitamente lógica e razoável para isso, um pensamento que me assombrou – porque, afinal, se eu tenho uma explicação perfeitamente razoável para o que parece ilógico, então muitas outras coisas aparentemente ilógicas talvez possam ser razoavelmente explicadas.
empurrei o livro e o computador para o outro lado, dei a volta na cama, ergui de sopetão o edredom, que voou inflado de ar para depois pousar sobre a cama; eu faço isso há muito tempo, arrumar a cama, e fiquei especialista em estender o edredom no meio exato de uma só vez, mas minha cabeça já estava escrevendo; sair do banho ao fim de um dia doente, o quarto à meia-luz, arrumar caprichosamente a cama onde você vai se deitar assim que terminar, como isso pode ser espantoso?, o edredom gordo de ar de novo, não tá caindo no lugar certo; o texto enchendo minha cabeça, se formando e atrapalhando o ajuste simétrico do edredom; os meninos rindo quando o milo pegou o barbante estendido no fundo do quintal que servia de cabo para o teleférico do dom, e eu comecei a puxar o barbante que ele não soltava, e falei “olha, ele tá parecendo um marionete, igual àqueles da noviça rebelde” e cantarolar a música do pastor de cabras, e o milo entendeu a brincadeira e não soltou mesmo o fio, e balançava os bracinhos quando eu puxava e cantava, e o domenico ria e cantava junto comigo, um dia doente, FLAP!, estendo o edredom de novo na minha cama verde-água meio desbotada, meio à meia-luz.
pronto. foi. escrevi outra newsletter.
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Cara, eu queria muito, muito mesmo que você ficasse parada pra checar se a intenção do passarinho é só te assustar ou se ele vai resolver arregaçar as mangas e... seja lá o que for o próximo passo. Vou pensar em uma forma de fazer isso sem que ninguém morra <3
amiga, que pavor esse passarinho doidaço! sangue frio pra gravar esse vídeo, hein?