sou contra maratonar (mas se quiser pode)
ouvir histórias que a gente gosta é que nem puxar uma casquinha
ahoy!
vocês não vão acreditar, mas sim!, estou aqui de novo EXATAMENTE uma semana depois.
(não se acostumem).
hoje temos uma breve reflexão sobre o consumo de conteúdo nos tempos hodiernos; a loooonga amizade entre eu e um teto e sua tradição judaico-cristã e o repasse disso tudo às gerações mais jovens da família; o inventário de um porta-joias que tem tudo menos joias e um feat que DIZ QUE vai se tornar fixo – o que vocês pedem que a gente não faz?
espalhe a palavra. assine a palavra:
UMA PIRA E OUTRAS PIRAS
quem vê tanto episódio?
tenho pensado a respeito de quanta informação a gente consome por semana, dia, mês, ano. quantas séries, filmes, artigos, música, tuítes, fotos, piadas, retalhos de vídeos com 30 segundos tentando me vender uma causa, uma dica preciosa para criar os filhos, um hack essencial para descascar limão, uma tendência encarnada em uma coreografia tão elementar quanto a da “essa é a igrejinha” que a gente cantava no pré?
quantas fotos minha avó (1921-2008) viu durante a vida toda (contando fotografias de parentes, dela mesma, cartões postais, pôsteres colados nas ruas, outdoors, imagens impressas em revistas)? quantas fotos a gente tirou só no primeiro ano de vida da minha sobrinha (2011)? de quanto é a chance de o número ser o mesmo?
dá cansaço só de pensar.
inclusive sinto que estou atrasada na minha reflexão, uma vez que em 1968 emmanuel viana teles já tava lá perguntando “quem lê tanta notícia?”.
*
por isso eu sou contra “maratonar” séries (mas se quiser pode, eu mesma maratono inclusive).
porque, meua migo, maratona descreve UMA CORRIDA DE 42 QUILÔMETROS E 195 METROS. não é um troço divertido, é um esforço de superação. não é um DESFRUTE. deve ser gostoso chegar, ganhar, saber que seu corpo é capaz? com certeza. tem a mesma natureza agradável de receber uma massagem? claro que não.
ENTÃO PORQUE A GENTE FAZ ISSO COM HISTÓRIAS QUE A GENTE GOSTAAAAAAA?!?!?!?!?
porque ouvir histórias que a gente gosta é que nem puxar uma casquinha.
a problemática natureza humana definitivamente não está pronta para a tecnologia (e o capitalismo) do século 21.
*
falando nisso, terminei tudo que tinha disponível de only murders in the building e estou a cinco episódios do fim da s2 de ted lasso – tudo isso em, o quê?, uns cinco dias.
mas em vez de passar a linha de chegada me sentindo plena, com a cabeça florida das conexões e ligações que duas histórias divertidas e humanas costumam fornecer – elaborações que exigem, talvez, um tiquinho a mais de TEMPO – sinto que estou chegando lá assim:
e, assim como nos metros finais da hyvon ngetich na maratona de austin em 2015, tá todo mundo aplaudindo.
A ARTE E OUTRAS PIRAS
“eu vou querer o mesmo esmalte que ele”
não me lembro como, mas faz mais de uma década fiquei obcecada pela história do michelangelo e a pintura da capela sistina. deve ter sido em algum documentário do history channel ou do discovery que peguei passando numa tarde solitária ou numa madrugada vazia; sim, teve uma época em que eu passava tempo demais assistindo tv (e nessa mesma época o discovery e o history channel EFETIVAMENTE passavam documentários sobre história e ciência).
essa história como narrada pelo documentário ficou plantada na minha cabeça, e o primeiro galho que deu foi um texto no garotas – chamava “breve história de um teto”, foi escrito no dia 5 de janeiro de 2006 e publicado no dia seguinte.
começava assim:
Sentado em seu escritório no Vaticano, numa sala onde reinava profunda calma e serenidade – talvez devido à bela vista para os jardins papais – a figura santa e austera do Sumo Pontífice de repente exclamou:
- Eu acho que esse puto não vem!
passava por isso aqui:
- Tava pensando em fazer o teto aqui, Miguel. Que acha?
- O teto?
- É, mas coisa simples. Uma estrela, talvez...
- Ah, não, Julião. Olha, vou te dizer uma coisa: se quiser que eu pinte, eu pinto. Mas já que é para fazer, vai ter que ser do meu jeito. E não quero ninguém enchendo meu saco até o final.
e, pouco antes da conclusão, atingia o ápice (do meu recorte) da trama – que, vocês devem notar, era centrado na relação entre o julio II e o artista que ele contratou para fazer o job. era quando michelangelo simplesmente começava a tacar as tábuas do andaime em cima do papa:
Até que um dia o Santo Padre se irritou e cansou de rodeios. Entrou na Capela e começou a gritar para Michelangelo, lá em cima dos andaimes, que exigia ver a pintura agora, que onde já se viu uma palhaçada dessas, que ele era o Papa, meu Deus, o PAPA!, e sua santa infalibilidade não podia ser contestada por um pintorzinho de merda.
Aí Michelangelo também se irritou. Mas, em vez de apenas berrar, teve a brilhante idéia de desmontar algumas tábuas do andaime e jogá-las sobre o respeitável Chefe da Igreja Católica.
(meu deus, acabo de notar que “idéias”, em 2006, tinha acento).
*
em 2010 eu ganhei uma grana em um programa de televisão e fui para roma com a minha mãe. claro que eu voltei na capela sistina (já tinha ido em 2005, com meu primeiro marido). claro que eu me descaralhei da cabeça de novo com aquilo tudo.
de lá eu trouxe uma brochura sobre a pintura da capela (no br eu já tinha lido michelângelo e o teto do papa, ross king, record, 2004) e um ímã de geladeira com aquele detalhe da criação do homem em que deus parece que tá falando pra grande manicure do universo “eu vou querer o mesmo esmalte que ele”, talvez completando com um “só que um vermelho um tiquinho mais aberto”.
*
em algum dia do primeiro semestre de 2022 o dom tava mexendo nos ímãs de geladeira e pegou esse. eu comentei que aquilo era só uma parte bem pititititiquinha de uma pintura enoooorme, que ficava no teto de uma capela.
ele quis ver o resto, eu abri o celular e mostrei. fui comentando as cenas de histórias e personagens que ele conhecia, como a do jonas e a baleia, que ele conhece de tanto eu cantar aquela música do sá, rodrix & guarabyra.
*
umas semanas atrás o dom me pediu para ver “aquele desenho que só tinha o pequenininho na geladeira mas você me mostrou que era só um pedacinho e tem o grande”. imagina o tempo que levou para eu entender que era o teto da capela sistina.
quando entendi, aproveitei para apontar para ele a segunda melhor coisa relativa a esse teto, que é o fato de deus estar ali com a bunda de fora e quase ninguém estar falando disso – algo que foi tema da primeira edição desta newsletter, publicada em 17 de novembro do ano passado.
ele quis saber o que deus tava fazendo naqueles quadros todos.
eu disse “ok vamos lá”.
e contei a história da criação (bem resumida, pois não tem conflito algum) e da queda do paraíso (essa mais detalhada), explicando que o primeiro homem e a primeira mulher moravam nesse lugar fantástico, onde tinha tudo que eles precisavam e era um lugar bonito à beça, tipo um parque, um jardim, quando ele me interrompeu:
expliquei que na verdade era porque a gente nunca pode fazer TUDO que a gente quer.
ainda não entendi se a preocupação dele era um verme morrer (mais provável) ou um semelhante pegar uma infecção (kkkk vai sonhando).
segui com adão e eva falando “desculpa desculpa desculpa a gente não vai fazer mais” e deus putíssimo “desculpa nada, FOOOOORA DO MEU PARAÍSOOOOOO”. e fiquei quieta (pois a história tinha acabado).
e o dom com uma cara assim 😠
e eu, esperando ele falar alguma coisa: (…)
e ele: 😡
e eu, vendo que ele não ia falar nada mesmo: e aí FIM!
e ele: eu ODIEI essa história!!! 🤬
ele literalmente FECHOU A CARA, franziu as sobrancelhas, apertou a boquinha, pensei “porra estraguei a noite”, aí pra consertar a vibe falei meio sem pensar que aquilo era um mito de origem, e foi assim que eu tive que terminar a noite explicando para um menino de cinco anos o que é um mito de origem (caso aconteça com você, aqui vai uma frase que pode ser útil e foi bem satisfatória na hora: “é um jeito que as pessoas têm de explicar de onde elas vieram”).
MATERNIDADE E OUTRAS PIRAS
inventário
casa com criança é foda. objetos aparentemente simples viram potenciais armas mortais e tem brinquedo para todo lado. e às vezes essas duas classes se cruzam, gerando os brinquedos que viram potenciais armas mortais E estão por todo lado.
esses são recolhidos na primeira oportunidade, enfiados no bolso e jogados em algum lugar fora do alcance dos moradores da casa com menos de 30 kg.
e foi assim que meu porta-joias terminou guardando os objetos foto-inventariados acima: 04 unidades de bolinhas pula-pula; 01 unidade de bola de gude espelhada; 01 dodecaedro; 01 touquinha playmobil, 01 bateria CR 2032; 01 parafuso de maleta de ferramentas de brinquedo; 01 capacete de lego; 01 moeda de dez centavos; uma arminha playmobil; 01 ímã de geladeira descolado da sua figura; 02 botões caídos; 01 apito de festinha.
(esse último foi escondido por ser um atentado potencial apenas ao meu ouvido mesmo).
FEATS!
é com muita satisfação que anuncio… ah, deixa ela mesma, flávia pegorin, anunciar. é com você, pegorin!
A nada sutil arte de se beneficiar do f*oda-se (lê-se “foda-se”)
E aí, quando você vê, tá falando e escrevendo igual um personagem de Tarantino e tudo bem
Clarissa, pode escrever palavrão na newsletter? Bom.
Tudo deve ter começado com o meu avô, mas eu não lembro dele falando palavrão. Então eu vou culpar o meu pai. Morfético. Lazarento. Filhodaputadoinferno. Não, ow, esse não é o meu pai! É como ele chamava carinhosamente os jogadores do São Paulo na perda de um gol feito e afins. E assim, pequenininha, olhos arregalados e de tranças, eu ouvia atentamente e refletindo “lazarento é com z ou s?”.
Meu pai é assim desde que eu nasci (boatos dão conta de que desde que ele mesmo nasceu) e a fruta não cai muito longe da árvore. Não é que eu me orgulhe do tanto de “caralho” que eu falo todos os dias, mas bem… talvez um pouco. Porque lá até os 13, 14 anos, eu mal falava fora de casa. Eu tinha uma única amiga em cada ano escolar e sofrer bullying descreve perfeitamente a situação - eu sofria.
A reviravolta conto em detalhes um dia, mas o importante aqui é que falar palavrão teve uma participação grande nisso. Assim que eu me senti pela primeira vez proprietária de um lustroso e suculento “NUM FODE, CARA!”, muita coisa mudou. Muito do que vai no meu pensamento não sai pra boca, sabe, mas o palavrão muitas vezes depois da adolescência ajudou a envelopar.
E tem muito mais palavrão de onde vieram esses. É mais do que o MERDAAAA ao bater a cabeça (eu odeio bater a cabeça; me arranca um dedo do pé, mas não encosta meu cocuruto numa quina). As palavras de baixo calão viraram um vetor de expressão pra mim, um teleférico de pensamento que vai entregando o humor, o clima, o estado de saúde mental e, por fim, até o assunto central.
De novo, eles não são um orgulho. Nem uma vergonha, mas com certeza não um orgulho. São um traço. Eu controlo? Eu controlo. Já entrevistei políticos e religiosos, professoras e enfermeiros, crianças e velhinhas e nunca, jamais eu larguei um “nossa, que impressionante isso, puta que me pariu”. Jamais.
Ao longo do tempo, eu fiz substituições bastantes, inclusive, o que mostra algum bom senso. Hoje sou até capaz de, muito brava, só chegar a um “otário”, “babaca” ou “mas que grande saco de vacilo esse sujeito é”. Sem apelar pra qualquer sexismo ou julgamento moral, pois é! Consigo mesmo. Mas é difícil controlar.
Porque não ajudaram muito os trocentos estudos científicos de duas décadas pra cá dando conta que quem fala palavrão é mais inteligente (Kristen e Timothy Jay, Massachusetts College of Liberal Arts, 2015), tem mais honestidade (Gilad Feldman, Universidade de Hong Kong, 2017), é na verdade uma pessoa que suporta mais dor e pressão (Keele University, 2009), além, claro, de sermos (nós, bocudos) mais criativos (foi Emma Byrne que disse, sendo autora de “Swearing is good for you”, “Xingar é bom para você”, 2018). Então eu sei que sou boca suja e isso é repreensível, mas… cacete, a ciência me apoia.
Vai ver, aliás, foi por isso aquela infestação de livros no estilo de “A Sutil Arte de Ligar o F*da-se” e o amigo dele, “F*deu geral”. Nem li, mas respeito bem menos, quase nada, por conta desses asteriscos. Porra, fala logo. E escreve. E toca o foda-se.
Vai ver muitas pessoas estão finalmente se sentindo habilitadas a encaixar um palavrão de boca cheia, superar as aparências de calma e namastê ou mesmo só sorrir e xingar tranquilamente quando possível. Que bom. Que alívio.
Palavrão é sim esquema de pirâmide e quando um fala, o vizinho já se sente mais apto. Então, Clarissa, obrigada por esse espaço que passa a ser semanal na sua newsletter. Só vim mesmo pra dizer que voltar a escrever assim, de modo livre, longo e para quem quiser ler, é muito, muito foda. Caralho. A coisa mais foda.
Eu lembro de uma tirinha de dois padres (bispos, cardeais? enfim, de roupinhas) com as mãos na cintura olhando pro teto da Capela Sistina e falando: - É, eu também achei meio exagerado, mas agora nós já pagamos.
eu falo muito palavrão mas tb sei quando usar (noção né). é bom saber que há a comunidade das bocas sujas, sem vergonha e sem orgulho, mas usando sempre que podem.