🌹 𝓮𝓷𝓬𝓸𝓷𝓽𝓻𝓪𝓻 𝓸 𝓪𝓶𝓸𝓻 🌹
não precisa ser gênio para cravar que NADA JAMAIS ACONTECEU COMO A GENTE SONHAVA.
alô, vocês
talvez eu tenha cometido uma newsletter temática. acho que isso já havia se insinuado em outras edições, mas nunca se concluído completamente, e me parece que dessa vez rolou.
mas quem sou eu para definir isso, né. vocês leiam e me digam.
não ouso nomear o tema, mas hoje você vai ler sobre como o mito da procura do amor romântico se manifestou em várias idades da minha vida e como hoje eu sou puta com isso, porque na verdade a gente devia se aferrar é àquele trecho lá da declaração de independência gringa que diz que todas as pessoas têm direito à procura da felicidade – nada contra o romance, mas vamos reorganizar prioridades.
ps: o bom da edição dessa semana ter atrasado tanto é que, bem, a próxima edição já tá bem perto. o ruim da edição dessa semana ter atrasado tanto é que, pô, eu acho que tem muito mais a falar sobre esse tema, mas não tem mais tempo agora (o que não quer dizer que eu não volte, eu sempre volto, essa newsletter é uma volta infinita).
SÓ OUTRAS PIRAS MESMO
🌹 𝓮𝓷𝓬𝓸𝓷𝓽𝓻𝓪𝓻 𝓸 𝓪𝓶𝓸𝓻 🌹
outro dia percebi estarrecida, enquanto conversava com a roberta, que dos meus livros infanto-juvenis favoritos na adolescência nenhum tinha uma protagonista com um arco de história que NÃO fosse 🌹 𝓮𝓷𝓬𝓸𝓷𝓽𝓻𝓪𝓻 𝓸 𝓪𝓶𝓸𝓻 🌹 e se você pensar um minuto logo vê como é absurdo que a gente, que nasceu entre o fim da década de 70 e o início da de 80, que viu a massificação da internet e o advento das redes sociais, que testemunhou o feminismo sendo até cooptado pelas marcas, não é possível que a gente não tenha tido histórias em que as mulheres se preocupem com qualquer outra coisa fora se casar.
tudo bem que, quando você é adolescente, tem toda uma questão hormonal e etc. mas quantos livros com protagonistas garotos são baseados apenas nisso?
para falar a verdade, dos livros que eu lia na infância e adolescência, de cabeça assim direto eu me lembro de 03 (três) com protagonistas meninas que tinham uma história que NÃO envolvia romance: bisa bia, bisa bel, da ana maria machado, em que uma menina descobre uma foto da bisavó e começa a imaginar como seria se elas fossem amigas; bem do seu tamanho, da mesma autora, em que uma garota, cansada de ouvir “mas você é muito grande para isso” quando pede colo ou “você é muito pequena para isso” quando quer participar das conversas dos adultos, decide sair pelo mundo para descobrir, afinal, qual o tamanho dela; e a bolsa amarela, da lygia bojunga nunes, em que a protagonista é uma menina que tem 3 vontades que andam sempre com ela: ser adulto, ser menino, ser escritora. olhando de agora, essa menina é tão parecida comigo que até dói.
*
quando eu era pequena, sentia que sempre tinha algo no mundo dos adultos que eu não entendia. eles estavam o tempo todo falando de alguma coisa que não era para crianças, e eu percebia os sorrisos e as piscadas um para o outro; não conseguia entender em que eles estavam sendo cúmplices, mas percebia que eu estava sendo enganada e/ou servida de apenas metade das verdades.
e esse não entender me incomodava à beça, principalmente porque eu não queria PAGAR DE TROUXA.
acho que não era nem que eu quisesse saber de fato do que eles estavam falando; geralmente eram coisas com apelo zero para mim – fofocas da firma, um filme sem graça, alusões a qualquer coisa sexual. o que me incomodava MESMO era a condescendência mal-disfarçada com a minha ignorância infantil.
por isso eu queria ser adulta.
*
eu também não entendia porque aos meninos era permitido fazer coisas que a mim não eram – ou, mesmo que não fossem ostensivamente proibidas, eram claramente desestimuladas. como pular, correr, rolar na lama, brincar de luta, usar todas as cores disponíveis no universo exceto rosa, sonhar ser motorista de caminhão de lixo, piloto de avião, jogador de futebol, trabalhar na firma que o pai trabalhava.
pior ainda foi ir crescendo e percebendo que eu não tinha o ativo mais reforçadamente valorizado nas mulheres: beleza. não falo só de um padrão físico aqui, de corpo curvilíneo e rosto delicado, mas também de uma vaidade, de um know how de como se produzir, de como se comportar, um conjunto de atributos que eu não tinha e não achava que ia conseguir ter, e por muito tempo ostensivamente desprezei qualquer atitude que me aproximasse disso, secretamente achando que meu desprezo era uma forma de me proteger do fato provável de que eu falharia se tentasse, mas hoje eu vejo que a maioria dessas coisas realmente não me interessavam à época.
por isso eu queria ser menino.
*
bom, escritora não vou nem falar, né.
*
graças a deus eu tive a bolsa amarela na minha vida. a gente deseja o que a gente vê, a gente não consegue pensar em ser algo que a gente nunca viu. acho que no livro foi a primeira vez que eu vi que dava para ser uma menina com outras preocupações mais importantes que formar um par romântico – experiência infelizmente suplantada por uma porrada de livros/séries/filmes/videoclipes que me disseram o contrário por anos a fio.
MAIS PIRAS AINDA
todo mundo tava fazendo, mas a gente não
como você pode testemunhar por si mesma/o, a roberta e eu éramos jovens sofredoras. e ouvíamos muito cranberries na nossa adolescência.
por jovens sofredoras você pode entender uma série de comportamentos, como por exemplo gostar sempre de um menino que nunca dava bola para a gente, e sensações, como a de não ser totalmente ajustada na expectativa de gênero do feminino, principalmente a expectativa de gênero feminino em uma escola particular de classe média localizada no subúrbio da região metropolitana de são paulo nos anos 90. nós éramos engraçadas e um pouco maldosas; fazíamos teatro e escrevíamos paródias; não namorávamos nunca (embora quiséssemos muito).
e aí a gente passava nosso tempo IMAGINANDO. sonhando com como seria a aproximação com o garoto que nunca nos dava bola, como seria o momento do beijo, como seria nossa vida idílica depois. a gente mesmo chamava isso de “novelinhas”, eram novelinhas que a gente fazia na nossa cabeça enquanto ouvia linger, do cranberries.
não precisa ser gênio para cravar que NADA JAMAIS ACONTECEU COMO A GENTE SONHAVA.
e eu gostaria de completar aqui com um “ainda bem”, mas não tenho certeza de que isso seria de todo honesto. acho que ser bem-sucedida nos seus almejos adolescentes poderia ter tido um resultado fantástico para a nossa auto-estima. talvez nos levasse, de alguma forma, através de uma cadeia de pequenas reações concatenadas, a nos tornar pessoas diferentes de quem somos hoje. afinal, ter vivido o que vivemos nos trouxe, também, até a estas exatas pessoas que somos.
*
ao ler a resenha que a roberta me mandou, me lembrei como esse tipo de vivência é universal – a própria dolores o’riordan, nascida em uma cidade rural da Irlanda sete anos antes de mim, a mais nova de sete irmãos de uma família católica muito devota, parece que se sentia meio assim também, e as músicas que ela escrevia tinham a ver com essa sensação. linger, inclusive, é sobre ser descartada depois do primeiro beijo dela.
*
linger (e outras músicas) às vezes ainda têm o efeito de me transportar para dentro daquela época. quanto tempo eu perdi sem saber que não precisava ser assim, que eu não precisava gostar de um menino mais ou menos padrãozinho, mais ou menos babaca e certamente impossível todo ano, uma perseguição infinita do romance ideal como único caminho possível para dar sentido à minha rotina, legitimar meu existir diário naquela escola particular classe média de são bernardo do campo.
e quanto tempo eu ganhei em alguma coisa que não sei muito bem qual é, mas deve ter, pô. talvez auto-conhecimento. resiliência. criatividade, quem sabe. mas eu queria mesmo era ter beijado na boca.
CONCLUINDO…
mas sempre podia acontecer pior, né?
no famigerado “o golpista do tinder” (dá pra assistir lá na firma), a primeira vítima começa sua história contando como, desde pequena, ela sabia de cor todos os diálogos de “a bela e a fera”. essa era a ideia dela de romance.
daí um milionário aparece agindo agindo como apaixonado, e quando ele diz estar em perigo o que a bela tem que fazer? salvar o fdp. que, infelizmente, não era um príncipe. era só uma besta mesmo.
a gente precisa parar não só de ser princesa, mas de salvar homem também.
só que é um caminho longo, né? tão longo quanto a construção desse imaginário na cabeça da gente.
AS PALAVRAS DOS OUTROS
“Ao persuadir o outro de que ele tem o que nos pode completar, nós nos garantimos de poder continuar a desconhecer precisamente aquilo que nos falta. O círculo da tapeação, enquanto que não nomeado, faz surgir a dimensão do amor”.
Jacques Lacan, Seminário 11
»» MAIS NEWSLETTERS EM QUE, OLHA SÓ, EU MEIO QUE JÁ TAVA FALANDO DISSO
quatro casamentos e nenhum funeral - eu tive 4 casamentos, 0 vestidos de noiva e 0 pesadelos de caras ajoelhados na minha frente abrindo uma caixinha em oferenda.
'ok pra mim deu' - parece que criei uma newsletter.
minha ideia de romance - gostar das pessoas de longe é fácil.
Você também é de São Bernardo!!! Não lembrava dessa informação no seu antigo blog com as meninas...na minha pré e adolescência era esotérica, que curtia astrologia, acreditava em almas gêmeas, mas em contra partida gostava de rock e andava de skate, então eu nunca era "bem vista" tanto pelos meninos muito menos pelas meninas que só sabiam falar de meninos...Eu adoraria ter sido sua amiga.😁. Até hoje depois de velha ainda sonho em ter um relacionamento tranquilo, quentinho, divertido, leve, que segure meu rosto com as mãos e que não fale pelo cotovelo enquanto estamos num lugar legal, só admirando a paisagem. Mas acho que a gente acaba acostumando com o que vai aparecendo e com o que nos dão. Se for o suficiente e suportável pra conviver, eu embarco.