de muitos carnavais
comecei a descobrir que tinha amigos cariocas que moravam em sp e pararam de voltar pro rio no carnaval, e até outros que moravam lá e VINHAM para sp no feriado
olá, meus kiridos y kiridas!
escrevo estas linhas no mais solene espírito do carnaval, e deus sabe que poucas coisas ganharam significado mais profundo para mim nos últimos anos.
o carnaval de rua é uma expressão de muitas coisas, entre elas de uma visão de cidade sem a qual a vida em sp fica muito, mas muito pior (e olha que ela tem ido de mal a pior para uma boa parte da galera).
tão imbuída fiquei que hoje a edição é express: além do carnaval, só mais uma memória de um livro canônico (pra mim), recolhida nas profundezas do instagram, onde mergulhei em busca de, adivinhem?, pistas que me ajudassem a recontar cronologicamente parte da minha própria história com o carnaval.
antes, deixo-vos com quem sabe:
tá dito.
e gostando ou não do carnaval de rua, considere assinar essa newsletter. volta e meia ela pinta aí. já caso você ache que o carnaval devia ser restrito ao sambódromo, ou acontecer somente no vão livre do masp ou em qualquer outro espaço onde ele não impeça o trânsito (de continuar parado), favor vazar de cócoras.
de outros carnavais
há que se admitir que foi tudo culpa do iran.
o primeiro bloco de carnaval de rua a que eu fui em sp foi o sargento pimenta, a convite dele. o ano era 2014. foi na henrique schaumann ali virando paulo vi, do lado de onde eu morava à época, e provavelmente fui por curiosidade e comodismo logístico.
tava lotado demais e eu fiquei com medo de que alguém fosse cair do viaduto, porque parecia que as pessoas simplesmente iam transbordar a qualquer momento. não me lembro de ouvir muito bem a música. apesar da lotação absoluta, fiquei tirando fotos com uma canon que eu tinha na época, na maior, sem preocupação alguma de ser roubada.
lembro de termos ficado pouco. e eu não sei explicar como, mas naquele dia nasceu a minha história com o carnaval.
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antes disso, teve a infância, quando eu odiava carnaval. não entendia a música alta, repetitiva, os confetes sujos, a gritaria das crianças no salão de baile do clube. a obrigação de botar fantasia me incomodava duplamente: pelo constrangimento e porque, cheias de lantejoula, elas sempre pinicavam.
e depois a adolescência, onde os bailes de carnaval na associação (dos funcionários públicos de sbc) viraram um jeito (quase sempre) garantido de beijar alguém, um evento de primeira necessidade naquela época.
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depois disso veio uma longa pausa em que o carnaval era bom simplesmente por ser um feriado enorme. e aí, por alguma razão que, como eu disse, nem mesmo entendo, o carnaval se transformou dentro de mim.
na verdade parece que o carnaval se transformou dentro de muita gente ao mesmo tempo na cidade onde eu moro.
descobri muito mais tarde que aquele mesmo 2014 do sargento pimenta foi o primeiro ano da implantação de uma política pública que buscava trazer de volta o carnaval de rua. naquele ano, 1.5 milhão de pessoas seguiram os blocos. 10 exatos anos depois, a expectativa de público é de 15 milhões.
não tem milagre no renascimento do carnaval de sp, e a minha história de maravilhamento e participação comunitária em uma alegria gratuita e genuína não aconteceria sem política pública. a coisa mais capaz de operar transformação na vida em sociedade: política pública. não sei se ressaltei o suficiente aqui: POLÍTICA. PÚBLICA.
(aliás, 10 anos depois, a revisão – ou a não-revisão – dessa política pública provavelmente vai definir se o carnaval de sp vai implodir sob o peso do próprio crescimento turbinado ou se viabilizar sem camarote e abadá, como mostrou essa matéria da folha. nesse ínterim, fiquei sabendo do “direito à folia”, tese do guilherme varella, um dos caras que ajudou a elaborar a volta do carnaval em sp na gestão do haddad, agora transformada em livro, e estou animadíssima para ler).
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em 2016, o iran me levou no cortejo do tarado ni você, o bloco que homenageia o caetano. sair da esquina da ipiranga com a são joão, andar pelas ruas do centro velho da cidade, passar pela estátua do duque de caxias na praça princesa isabel cantando os mais doces bárbaros foi por demais forte simbolicamente para eu não me abalar.
“com amor no coração
preparamos a invasão
cheios de felicidade
entramos na cidade amada(…)
tudo ainda é tal e qual
e no entanto nada é igual
nós cantamos de verdade
e é sempre outra cidade velhaalto astral, altas transas, lindas canções
afoxés, astronaves, aves, cordões
avançando através dos grossos portões
nossos planos são muito bons.”
aquilo fez um sentido profundo e instantâneo para mim. eu via amigos jornalistas, as travestis do centro, mulheres de peito de fora com o filho sobre os ombros, jogando confete. todo mundo cantando caetano. e todo mundo com uma estranha, estranhíssima disponibilidade de gentileza. uma coisa que não é comum nesta grandeza no dia a dia das ruas de sp.
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comecei a descobrir que tinha amigos cariocas que moravam em sp e pararam de voltar pro rio no carnaval, e até outros que moravam lá e VINHAM para sp no feriado.
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voltei ao tarado no ano seguinte, já muito grávida do domenico, que nasceria em 19 de abril, e registrei: “teve uma hora no carnaval que a gente tava indo atrás do tarado ni você e o trio tocava "oração ao tempo" e as pessoas todas tinham sido tão gentis e eu estava tão feliz ali exatamente ali só ali e de repente me ocorreu que esse momento nunca mais ia voltar e OK acho que isso possivelmente é a felicidade”.
20 dias antes do cortejo, fui a um ensaio do bloco no buraco da paulista – aquela baixada sob a praça do ciclista, pertinho do prédio onde eu trabalhava na época. não arrumei companhia e fui sozinha, barrigão e havaianas, e não senti um segundo de solidão. quando terminou, fiz uma foto dos meus pés cheios de glitter e senti que eu estava me despedindo de alguma coisa.
naquele dia, uma mulher me abordou no bloco perguntando se eu era… eu. fiz uma cara desconfiada e ela se apresentou: era a dani arrais, que me convidou a escrever para um projeto maneiro dela à época, o “a internet que a gente quer”. tínhamos alguns amigos em comum e por isso ela me reconheceu no bloco. topei, e escrevi que a internet que eu queria era exatamente aquela mesmo, daquela época (2017), em que cabia mais gente dentro do que fora.
e é exatamente isso que eu espero que continue valendo para o carnaval de sp.
Isso não faz o menor sentido
um lembrete importante vindo diretamente das páginas de “o andar do bêbado”, livro que eu li por insistência do quinho e que posso afirmar com tranquilidade que mudou minha vida:
vale a pena ver de novo
lembrando que não é a primeira vez que o iran me leva para coisas.
e que nesse mesmo ensaio do tarado ni você lá no buraco da paulista, nos idos de fevereiro de 2017, aconteceu algo inexplicável: eu chupei uma manga (clique para mais contexto).
agora acabou.
que saudade da cidade de 2014! 🥰
(quinho também foi o analogical influencer da minha leitura de "o andar do bêbado".)