Repassem até chegar etc
A essa altura do Brasil, a voz da Fernanda Montenegro é a ÚNICA coisa capaz de me acalmar.
Boa noite para quem é de noite, bom dia para quem é de dia. Ontem eu juro que tava pronta para abrir o computador e escrever sem parar, escrever para um caralho, escrever até dizer chega ou apertar o send, o que acontecesse antes.
Mas aí o que aconteceu antes foi que o meu filho mais novo parece que tá nascendo o dente, e a noite foi meio que um escândalo.
Como eu tardo mas não falho, aqui me tendes com um breve libelo sobre como a maternidade me mudou pra pior; o impressionante impacto da voz da Fernanda Montenegro sobre meu eu atual; uma memória da minha pele e algumas palavras de Marcel Proust (nunca li, vi no Twitter).
Acreditem em 2022 (pfffffff!) e acreditem que semana que vem mando a newsletter na quarta, o que for mais fácil para vocês.
MATERNIDADE E OUTRAS PIRAS
Como a maternidade me tornou uma pessoa pior
Se você parar para pensar, virar mãe é uma das escolhas mais idiotas que uma mulher pode fazer. Tornar-se responsável pelo desenvolvimento de alguém imediatamente desvaloriza seu passe profissional (e não sou eu que estou falando, é a FGV), impede você de frequentar lugares (ou pelo menos torna tudo mais difícil, incluindo sempre o custo de um certo constrangimento) e ainda torna você a principal culpada dos problemas do mundo (“cadê a mãe dessa criança?”, “não teve mãe, não?”, “imagina ser mãe do fulano?”), como se fosse uma espécie de mordomo da sociedade.
Adoram falar que “filho você cria pro mundo”, mas quando você vai ver o mundo está cheio de placas “proibido crianças”, de pessoas que olham para você cheias de superioridade se o seu filho dá um berro no supermercado e de vizinhos de poltrona no avião que não conseguem tolerar o choro de um bebê que está voando pela primeira vez.
Além disso, ao ser mãe, você também aparentemente assina um TAP geral – termo de aceite de palpites, que habilita QUALQUER PESSOA a opinar sobre o que você devia ou não fazer com seu filho (mas trocar fralda ninguém quer, lógico). Curiosamente, ao se tornar pai, a grande maioria de interações com estranhos que o homem passa a ter consiste em olhares ternos, de aprovação e admiração, por atitudes tão simples quanto segurar a mão da criança para atravessar a rua.
Maternidade é uma baita roubada. Tanto que mulheres com mais escolaridade – ou seja, que tiveram mais acesso à educação formal – talvez percebam isso mais rápido, e têm menos filhos (e não sou eu que estou falando, é o IBGE).
De maneira geral, um filho é visto como um capricho individual, a realização de um desejo pessoal – e só. E não como o que também se torna: a força que vai manter a merda toda que criamos funcionando daqui a uns anos. Tanto que não é incomum países que não conseguem reverter a queda na taxa de natalidade oferecerem benefícios, incluindo pagamentos mensais, para quem quiser ter filhos. Então aparentemente filho você cria pro mundo, mas é para entregar só quando ele já tiver se tornado advogado, urbanista ou pedreiro, tá? Se for para esperar que o mundo mantenha seu emprego ou tolere o choro do seu bebê na mesa ou na poltrona ao lado, pensando que afinal não existe futuro social em uma sociedade sem crianças, bom, espera sentada.
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Como se não bastasse, do ponto de vista individual a maternidade me estragou em dois pontos fundamentais: eu, que sempre fui uma otimista, percebi que não sei onde eu estava com a cabeça esses anos todos. Ao ter um bebê, me dei conta de que o mundo não é bom o suficiente para ele, nem para bebê algum. O mundo é, em suma, horrível.
A outra coisa é que o fato de esse mundo ser horrível me afeta de uma maneira que não afetava antes (já ouvi esse relato de muitas mães e pais, aliás). As coisas horríveis que acontecem nesse mundo, eu não consigo mais passar por elas com a facilidade de antes. Antes eu me consternava, claro. Deplorava os atos de opressão e violência que via nas notícias. Mas agora é como se eu tivesse um fio desencapado. Agora eu fico mal a ponto de cair no choro, levar para terapia e tal. Com notícia da TV. O Dom já tem 4 anos, quase cinco. O Milo já nasceu há oito, quase nove meses. E eu continuo sem saber o que fazer com isso, uma espécie de empatia ilimitada que não tenho condições de abarcar e que me parece que não faz bem nenhum, para ninguém.
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Então eu acho muito engraçado esses textos que dizem que ter filhos ensinou a pessoa a ser alguém melhor e etc. Porque, para mim, claramente eu me tornei uma pessoa pior. Do ponto de vista sócio-econômico, meu passe vale menos que o de uma mulher sem filhos. Do ponto de vista pessoal, eu passei de uma otimista que eu julgava irremediável para uma REALISTA profunda. Sem contar o lance do fio desencapado, o nervo exposto, com o que ainda não sei o que fazer.
Mas também preciso dizer que, embora ser mãe socialmente seja uma escolha ruim – embora a expectativa social expressa seja voltada exatamente para você se f*der –, do ponto de vista pessoal ser mãe foi sem dúvida a melhor coisa que eu fiz na minha vida – e explico o porquê. Mas em outra edição, que hoje eu só quero reclamar mesmo.
OUTRAS GENTES
Duas Fernandas
Não vi a propaganda do Itaú (adoro falar propaganda, especialmente depois que descobri que alguns diretores de PROPAGANDA preferem o termo “filme publicitário”, o que me faz rir fininho e gostoso toda vez que penso a respeito) MAS o fato é que a essa altura do Brasil, a voz da Fernanda Montenegro é a ÚNICA coisa capaz de me acalmar.
Qualquer coisa que ela fala eu acredito, qualquer coisa que ela fala me faz refletir nas verdades profundas da vida, me faz sentir por um instante que realmente existe alguma sentido nisso tudo, e não somos apenas criaturas aleatórias trombando umas nas outras, ao sabor do mais puro acaso, sobre uma monumental bola de massa que evolui pelo espaço ao redor de uma entre bilhões de estrelas.
(Agora fiquei imaginando a Fernanda Montenegro recitando os versinhos que a minha amiga escreveu para mim em 1994; repassem até chegar nela. Na Fernanda. A Montenegro, não a minha amiga).
AINDA SOU EU
30/43/50
Dez anos atrás, quando eu tinha 33, fui a uma dermatologista estética pela primeira vez. Ela me prescreveu uma rotina de pele com produtos de manipulação e botou na mesa outras opções, com tratamentos que incluíam preenchimento, botox e luzes de frequências misteriosas, para diferentes efeitos, e com valores que iam de R$ 100 a R$ 1 mil.
Pensei um pouco e decidi ficar só com a rotina de pele, porque se com 30 anos eu começasse a fazer TUDO aquilo, aos 50 ia ter que LIXAR minha cara e esculpir outra nova no lugar.
Engraçado ter lembrado disso hoje porque ainda nem tenho 50 e, por mim, eu meio que já poderia lixar minha cara e, se não esculpir, pelo menos esperar crescer outra no lugar.
Engraçado também pensar que o que você acha que são os 50 enquanto você tem 30 NÃO necessariamente serão os 50. Ou, em outras palavras, os 50 podem chegar antes.
AS PALAVRAS DOS OUTROS
Proust via @tdbem.
“… a carregar sem vacilações sobre a sua gota quase impalpável o edifício imenso da memória”.
Ah! E para quem chegou agora, vou imitar meu amigo Davi (que é muito mais profissional que eu nesse negócio de newsletter) e botar aqui este se quiser ler mais:
“desquitada e morando de favor”