senhores, senhoras
pensando se essa intro é realmente necessária. indo meio que a lugar nenhum, mas admitindo o fato de que mesmo assim a gente acaba chegando a algum lugar (tomara que em casa).
boa leitura, assine etc
ódio (e nojo)
domingo, 27 de outubro, passou à história da nossa casa no que talvez possa vir a ser lembrado anualmente como o dia da grande nojeira (com caixa alta), uma espécie particular de dead duck day (brilhantemente traduzido como “manhã do marreco morto” na edição pt-br de “um grande garoto”; naturalmente não em torno do mesmo tema mas no mesmo esquema de uma efeméride inesperada). senão, vejamos:
ato I
às 18h43, ricardo nunes foi eleito prefeito de são paulo;
ato II
por volta das 20h45, quando desci depois de colocar os meninos para dormir, ricardo me informou consternado que ao preparar o jantar não só havia encontrado um cocô de barata na gaveta dos panos de prato, como também uma barata viva na gaveta de mantimentos. à guisa de contexto: uma fdp já tinha cagado na minha gaveta de COMIDA poucos dias antes, fazendo com que eu tirasse tudo que havia lá dentro, lavasse os potes, jogasse fora os mantimentos abertos – como a quinoa e o arroz cateto, cujos saquinhos estavam com furinhos altamente suspeitos – e fizesse a lu deixar a faxina da casa para lá para limpar a gaveta e o armário por dentro, além de botar todos os panos de prato para lavar (deus abençoe a secadora de roupas, porque senão eu ia ter que secar a louça com papel toalha). sábado o ricardo tinha dobrado todos os panos e acomodado tudo de volta em uma gaveta tinindo de limpa. e aí, no dia seguinte, tava lá uma desgraçada de novo, cagando nos panos e passeando nos potes?!?!
arrancamos a porra da gaveta (que é enorme e com aquelas ferragens telescópicas, um porre pra tirar) e ricardo sentou o dedo no inseticida. e aí saíram não uma, mas duas baratas. e quando eu fui pegar uma travessa, TCHANAM!, mais uma barata morta no compartimento vizinho ao dos mantimentos. e a comida no fogo. e as baratas aparecendo, meio vivas, meio mortas.
aí me deu o famoso cinco-minutos e eu falei “vamos tirar tudo desse armário que eu vou pegar o DEDETIZANTE” (no caso o dulbarmiga, grande companheiro de quem mora em casa de rua); veja bem, não era mais um inseticida, era 0,375% de cipermetrina, meu amigo, não é brincadeira não (versus 0,05% do sbp).
achamos cocô de barata em TUDO QUE ERA GAVETA do armário da cozinha. fumiguei o dulbarmiga que nem maluca, e o macarrão cozinhando, e começaram a aparecer anteninhas titilantes por detrás do armário, que é embutido e impossível de mover, e o molho esquentando, e as baratas saindo, e eu morrendo de fome apertando com força um gatilho contra os azulejos do fundo da parede enquanto cadáveres de barata se acumulavam em meio a uma cozinha com todos os utensílios e mantimentos e panos empilhados pela pia.
as baratas, precisava ver, eram grandes, fortes, brilhantes; bem tratadas mesmo, sabe? claro. comiam minha quinoa e meu arroz cateto, alimentação altamente proteica, sem correr riscos; depois voltavam pra toca atrás da gaveta de onde jorrava leite e mel quinoa e arroz cateto e dormiam bem tranquilas. nem susto passavam.
acho que, enfileiradas, as 12 ou 13 que desentocaram talvez desse a altura do burj khalifa, reconstruído em perninhas peludas e asas cascudas marrons bem alimentadas à base da quinoa e do arroz cateto, R$ 28 e R$ 26 o quilo no sacolão da lapa. filhasdaputa.
e depois disso tudo a gente ainda teve que sentar para jantar.
ato III
como se não bastasse, depois do jantar fomos assistir “a substância”.
posfácio
claro que de tudo isso a pior coisa foi o ricardo nunes, sem sombra de dúvida.
chorinho
hoje apareceu um rato semi-morto na garagem. gordo, de respeito. digo “semi” porque ao topar com o bicho corri para o carro, fechei as portas e saí. na volta, deixei o carro na rua e ainda não voltei lá para checar.
going home (sometime tomorrow)
outro dia eu subi as escadas de casa levando:
04 pares de sapatos (sendo um deles uma galocha);
01 garrafa de água com gás de 510ml;
01 lápis destaca texto;
01 caneta ball point;
01 macbook;
01 livro “jornalismo diário. reflexões, recomendações, dicas e exercícios”, da ana estela de sousa pinto, publifolha, 2009;
01 celular;
01 carteira de post its;
02 papéis avulsos de anotações.
eu realmente não sei como eu faço isso, mas eu sempre faço porque tenho muita preguiça de andar pela minha casa.
acho que isso é bem comum quando você mora em um sobrado. mas tem alguma outra coisa aqui.
eu me mudei para esta casa em junho de 2021, depois de passar seis meses morando em um apartamento num condomínio gigante e isolado, na beira da estrada que sai de são paulo e vai em direção ao mato grosso do sul (mas antes passa por cotia).
por quatro destes seis meses esta casa foi intensamente reformada, em plena pandemia (o que daria aos vizinhos razões bastante compreensíveis para me odiar). eu estive aqui três, talvez quatro vezes ao longo da reforma, tocada por uma arquiteta competente e camarada que fez tudo e um pouco mais para eu não ter que correr riscos ou passar nervoso, primeiro grávida e depois puérpera, com todas as dores de cabeça que envolvem esse tipo de coisa.
fiquei muito feliz e aliviada quando mudei. voltei para a cidade, a casa tinha espaço para tudo que eu precisava, plantas, quintalzinho, estrutura, conforto, tudo novo (tirando os móveis, porque na reforma vocês sabem né, a gente gasta tudo e mais um pouco então geralmente o resultado é uma casa belíssima de cimento queimado e porta pantográfica, com um sofá véio, meio deformado e cheio de manchas).
uma bela noite, mais de um ano depois de me mudar, eu estava sentada no banco de concreto do terraço, olhando o pé de alecrim e a vista da cidade enquanto fumava, quando de repente fui assolada pela pergunta “meu deus, como eu vim parar aqui?”.
aí eu percebi que, de dezembro de 2020 (quando peguei pela última vez, com o ric e o dom, o elevador do prédio de apartamentos onde vivi por oito anos) até junho de 2021 (quando dormi a primeira noite nessa casa com o ric, o dom, o milo e minha mãe), tinha se passado não só um semestre, mas também um filho, meses críticos de uma pandemia interminável, apenas trabalhos remotos e no máximo seis visitas à casa – isso contando desde a primeira visita com a corretora, passando pelo período de negociação para a compra e toda a reforma, até o dia em que o caminhão de mudanças da denise encostou aqui na rua no dia em que passaríamos a primeira noite na casa nova.
ou seja: talvez eu tenha mudado e nem percebi, ou em outros termos demorei um pouco para chegar de fato na minha casa.
acho que ainda estou chegando, na verdade.
essa semana minha mãe (que já nem mora mais aqui) e eu pintamos uma faixa de cor cinza-esverdeada na parede até então tremendamente branca do corredor (ficou ótima) e uma geometria verde no paredão imensamente alto (e outrora também branco) da escada (ficou mais ou menos, mas melhor que o branco).
depois colei uns adesivos lindos da natalia felippe sobre as portas cinzas dos quartos e do banheiro.
impressionante o impacto que duas latinhas de tinta de 800ml e uma cartela de belos adesivos cada podem causar na psique da pessoa que ainda está tentando chegar na sua própria casa.
chegar na sua casa, no fim, talvez seja uma construção.
a frase (e os segredos dela)
quando eu estava no fundamental 2, à época chamado ginásio, a gente usava um livro de português chamado “texto e contexto”.
todo capítulo começava com um texto, seguia com exercícios de interpretação e aí passava para gramática. e tinha um exercício chamado A FRASE E SEUS SEGREDOS, que consistia basicamente em reescrever uma frase nas mais variadas formas possíveis.
às vezes era para trocar o verbo, tipo:
amanhã meu pai vai fazer aniversário.
amanhã meu pai fará aniversário.
às vezes era para mudar partes de lugar, mas mantendo o mesmo sentido. tipo:
amanhã meu pai vai fazer aniversário.
meu pai vai fazer aniversário amanhã.
meu pai, amanhã, vai fazer aniversário.
eu não acho que A FRASE E SEUS SEGREDOS fosse o exercício mais popular entre os alunos de gramática nas aulas da profª rosângela nos anos 90 no colégio são bernardo.
para falar a verdade, talvez fosse um dos exercícios mais detestados pela classe.
mas não por mim e pela roberta, que éramos grandes apreciadoras dele. para a gente, o famigerado A FRASE E SEUS SEGREDOS era basicamente era um brinquedo de montar e desmontar blocos, só que com frases. eu mal podia imaginar por que que alguma criança de onze ou doze anos não achava *TUDO* reescrever a mesma frase três vezes (ou mais) mudando uma palavra de lugar ou trocando uma locução adjetiva por um adjetivo ou vice-versa, o que pensando bem deixa bem clara a minha certa inabilidade de identificação à época.
a mensagem das três últimas frases ali em cima pode ser a mesma, mas o jeito de dizer cada uma, para mim, tem distinções sutis que me dão pistas de quem é a pessoa que está falando; para além do texto e do contexto do título do livro didático, elas me ensinaram a ler o subtexto: “amanhã meu pai vai fazer aniversário” soa informal, direto, parece uma conversa por telefone; “meu pai vai fazer aniversário amanhã” parece um papo ao vivo, quando a gente costuma começar as frases com a coisa mais importante dela; “meu pai, amanhã, vai fazer aniversário” aqui o cara meteu um proto-temer, uma mesóclise meio pedante e desnecessária, mas se está aí é porque ele está querendo me dizer alguma coisa…
eu adoro procurar o subtexto, e confirmá-lo ou desconfirmá-lo conforme mais da mensagem (ou do mensageiro) vai se colocando. e também adoro criar subtextos, e A FRASE E SEUS SEGREDOS me ensinou isso demais.
conforme o prometido, esta newsletter não chegou a lugar algum. mas tem outras bem melhores aqui:
quatro casamentos e nenhum funeral
eu tive 4 casamentos, 0 vestidos de noiva e 0 pesadelos de caras ajoelhados na minha frente abrindo uma caixinha em oferenda.
🌹 𝓮𝓷𝓬𝓸𝓷𝓽𝓻𝓪𝓻 𝓸 𝓪𝓶𝓸𝓻 🌹
não precisa ser gênio para cravar que NADA JAMAIS ACONTECEU COMO A GENTE SONHAVA.
"pede, boba, você pagou"
como essa frase foi parar no meu sonho não sei, mas por incrível que pareça no fundo ELA é a coisa mais maluca daquela história toda.
eu era uma nerd das aulas de português também na infância. não só gostava de ver essas coisas de formação de frases como ela obcecada por "Marcelo, Marmelo, Martelo". só consigo imaginar o quanto eu devia ser chata pensando em etimologia na infância, mas é aquilo, eu mesma desde sempre
você descreveu muito bem a sensação de mudar de casa durante a pandemia. me senti assim por bastante tempo.
(❤️ texto e contexto ❤️)